Minha lista

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terça-feira, 15 de outubro de 2013

CONTO DE FICÇÃO INFANTO-JUVENIL


POR QUE O MEU PRIMEIRO AMOR PODERIA ACABAR COM O MUNDO?

 

 

Antes que comecem a ler este conto, me vejo na obrigação de explicar certas coisas:

  1. este não se trata  apenas de um romance, apesar do titulo meio crepúsculo-emo-efeminado.
  2. é baseado em uma historia real e sim, se trata de um conto autobiográfico.
  3. chega de enrolação e vamos ao conto propriamente dito:

Era o ano de 1987, e muita coisa estava acontecendo: no mundo da musica Michael jakson lançara seu segundo álbum mais vendido(ainda em vinil), Bad; no âmbito nacional Legião Urbana achincalhava o governo com o hino “Que pais e esse?”

Houve o maior acidente nuclear da historia, o terrivel evento de Chernobyl.

Sega e Nintendo monopolizam o mercado mundial de games com seus eternos Mario Brothers e Zelda.Nossa moeda ainda continuava com aquele nome estúpido(Cruzados), mas perdeu mais alguns zeros e poder de compra com o famigerado plano Bresser.

Mas apesar disso tudo que estava acontecendo, para mim o que mais importava é o que não havia ainda acontecido na minha vida: meu primeiro beijo.

Me perdoem os mais críticos, mas na época eu so tinha quinze anos e pouco me lixava para o que acontecia no resto do mundo. E me entendam quando me refiro a resto, estou me referindo a tudo fora do meu pequeno e sempre organizado esquema de vida.

A proposito esse sempre foi um dos meus piores defeitos: tudo na minha vida sempre seguia planos e esquemas idealizados no meu cérebro, extremamente fantasioso,que não poderiam nunca dar certo no mundo real.

E um desses planos fantasiosos era a conquista da garota mais perfeita do mundo, pelo menos para mim:Luciana. Uma garota loira e linda que era quase uma vizinha.Bem sejamos sinceros, ela não morava tão perto de minha casa assim, mais nos meus planos elaborados dava um jeito de sempre passar na frente da casa dela.Para ir ao colégio, fazia uma volta de cerca de 10 quarteiroes so para passar na frente de seu portão.

Fiquei amigo de seu irmão mais novo, so para que ele ocasionalmente me convidasse para ir na sua casa jogar umas partidas de videogame.Passei a ouvir pop rock nacional ,visto que minha amada tinha uma paixão especial por RPM, etc.

Mas o meu plano mais fantástico e bizarro, foi fazer parte de um coral, que tinha na sua maioria absoluta meninas como componentes, visto que o tal dito coral usava a garagem da casa de minha princesa como centro de ensaios, 1 vez por semana.

E La estava eu, com minha voz rouca e desafinada cantando por 10 minutos com o coral, e passando o restante do tempo na casa acima, olhando apaixonadamente para a Luciana. Mas atire a primeira pedra, quem nunca fez uma besteira por amor!

Minha paixão adolescente já durava uns 2 anos, o que era um tempo mais que suficiente para promove-la para a condição de amor,no caso meu primeiro e impossível amor.

E o pior de tudo, era que apesar dos planos mirabolantes para estar próximo sempre de minha amada, eu não fazia o que era mais obvio e decisivo para conquista-la:conversar com ela.Por quase todas as vezes que eu ia em sua casa(que não foram poucas ,naqueles dois anos),eu me limitava apenas a cumprimenta-la ou trocar duas ou três frases que não tinham nada haver, tipo : Como estão suas notas no colégio?(que papo mais cdf),ou um comentário monótono sobre algum filme ou clipe musical que havíamos visto recentemente.Não que eu não tivesse algumas chances para me aproximar dela; me lembro em uma certa tarde que ficamos sozinhos na sua casa e irrompeu o maior temporal, com trovoes, raios e o escambau, e ela como toda adolescente normal ficou sentada. assustada no sofá bem juntinho de mim, e eu pra dar uma de cavalheiro peguei

sua mão e lhe ofereci um pouco de conforto, que ela retribuiu com um afetuoso cafuné nos meus rebeldes cabelos encaracolados.Pois e, nem depois deste “vem quente que eu estou fervendo”,subliminar, eu criei coragem de me declarar.Tic e TAC, o tempo ia passando e minha saudável e perfeita amada colecionava namoradinhos (naquele tempo ainda não existia esse papo furado de “ficar”), como era esperado de qualquer adolescente normal na nossa idade; ela alias para complicar era 2 anos mais velha o que em termos de experiência amorosa era uma vantagem considerável.

E eu me torturando ouvindo a saudosa Radio Cidade, as 21 horas, programa By Night, clássico em dor de cotovelo, acreditem em questão de amores não resolvidos eu coleciono Oscars. As vezes pedia conselhos para amigos mais velhos e descolados do que eu, sobre como chegar nela.Me arrependi amargamente quando um desses conselheiros que supostamente deveriam me ajudar, numa festinha se aproveitou de uma musica lenta para beijar a Luciana.

Meu mundo veio abaixo!Pior que percebi que ela pagou um pau, e tomando o que seria meu primeiro porre na vida, dei vexame e fiz cena de ciúme na frente de toda nossa turma.Turma essa que era super unida(lembre-se estamos falando de meados da década de 80, antes do advento da Internet e celulares);íamos juntos nas estréias de filmes no cinema , saiamos todos os feriados prolongados(acredita naquele tempo havia mais que hoje), e sempre fazíamos festinhas em nossas respectivas casas nos finais de semana quando nossos pais liberavam. Imaginem que pesadelo foi conviver depois com nossa turma sendo sempre lembrado desse vacilo na fatídica única festa que me lembro que aconteceu na casa dela.Me lembro ate hoje, ela estava de branco com seus longos cabelos soltos, ventava, o que aumentava o efeito cinematográfico da cena, estávamos todos no terraço de sua casa que ficava no alto do sobrado, curtindo umas musicas lentas , daquelas feitas para se dançar agarradinho; foi quando o sacana do Luis roubou-lhe um beijo conseqüência inevitável de ter sido o sortudo que mais dançou com ela aquela noite.Adivinhem quem foi o único cara da turma que não teve coragem para tirar a gata para dançar?Exatamente esta anta que vos fala.Mas deixa para La, são águas passadas; vamos ao que interessa:afinal de contas o que tem haver o meu primeiro amor com o fim de mundo? Podem ter certeza que responderei a esta e outras perguntas, a fim de que vocês entendam o por que desse conto.(fiquem calmos, não vou dar uma de roteirista de Lost) todos os mistérios serão resolvidos no seu devido tempo.(a propósito que final tosco a La Janete Clair foi aquele!!!)

Quero mostrar para vocês , caros leitores, que nossas vidas são feitas de escolhas , caminhos que tomamos.As vezes esses caminhos nos levam a algum lugar, outras vezes não, mas fazer o que , isso faz parte do mistério da vida.Esse conto  e baseado na primeira escolha que fiz em minha vida, e acabou me levando para um caminho sem

Volta, mas antes de me julgarem, tentem entender meus motivos, tentem desculpar meus erros , afinal somos todos seres humanos falíveis, não e verdade?

Havia se passado um mês do papelão que fiz na festa na casa de Luciana, e desde então por motivos óbvios havia me auto-exilado do castelo de minha princesa.Os amigos mais chegados evitavam tocar no assunto da festa calamitosa, nem mesmo mencionando o nome dela.Meu amigo mais espirituoso ate criou um bordão para se referir a ela:”aquela a qual embora todos desejamos não nomearemos na frente dele”, e todos riam muito da cara que eu fazia quando ele inseria esse bordão em qualquer frase rotineira de nossas conversas, tipo:”Hoje não vi no colégio aquela a qual embora todos desejamos, não nomearemos na frente dele, será que ela faltou?_Ontem aquela... estava com uma minissaia que eu babei nos seus pernões!

Cara que sujeito perspicaz era ele, sempre preocupado em não magoar meus sentimentos!As garotas do grupo meio que me respeitavam mais, porem sempre estavam arranjando desculpa para meter o pau na Luciana:”Ela não presta, namora com todo mundo, não merece seu amor”,era algumas das coisas que elas diziam , tenho certeza que a maioria motivada pela inveja natural feminina da garota mais bonita do pedaço, e pelo menos uma delas, mais tarde percebi , porque nutria sentimentos por mim.

Só que um dia a gente tem que sair da zona de conforto e enfrentar a vida.Para mim este foi o  mais importante dia da minha vida:13/02/87.O ruim é que para o mundo este era o dia em que começaria a contagem regressiva para o seu final;sendo que eu era o responsável indireto pelo inicio dessa contagem.

Como toda sexta feira 13 que se preze, as piadinhas sobre monstros, bruxas e afins eram inevitáveis, e tive que agüenta-las o dia inteiro no meu ambiente de serviço, na realidade se tratava de meu primeiro emprego assalariado na vida, e eu que havia recebido no dia 10(sim dia de pagamento ainda era no dia 10),estava ansioso para passar em minha loja de discos favorita e comprar , perdoem minha heresia, o novo disco dos Menudos: Can’t get enough; pois alem de ser em inglês, o que na minha opinião disfarçava  um pouco sua breguice, era cheio de baladinhas românticas, perfeitas para não só obter o perdão de Luciana pelo meu comportamento ciumento na festa, por tabela também serviria como trilha sonora perfeita para a minha declaração de amor, que já estava decorada e ensaiada em minha cabeça nos últimos 2 anos.

Mais um ridículo e insano plano que só daria certo dentro de minha estúpida imaginação adolescente, claro. Sexta-feira 13,disco do Menudo e declaração de amor juntos seriam ingredientes para um bolo de desastre com certeza.

Por do sol, belíssimo fim de tarde de verão, temperatura ideal; saí de um banho demorado onde me declarei para o espelho em meio aos vapores de  água quente de meu chuveiro(fui sempre fã dos banhos demorados e super quentes); estava pronto cerca de meia hora depois com a minha melhor roupa, gel no cabelo(só usava em épocas especiais), e álbum debaixo do braço, como se fosse uma arma de combate para um guerreiro medieval que saia confiante de seu acampamento e adentrava ao território inimigo, batalha certa, vitoria garantida na primeira grande guerra do amor(pelo menos no meu caso).Era isso que eu pensava quando sai de casa a caminho do castelo de minha princesa, e estava certo, pensam vocês meus caros e romanticos leitores? Não , absolutamente não estava, e descobriria isto de forma inusitada.

O tempo mudou bruscamente, o que convenhamos nunca foi incomum em Sampa, o céu escureceu em um prenuncio de tempestade, e eu que estava a pé e sem guarda-chuva apressei o passo; chuva não combina com roupa nova e gel no cabelo, não é verdade?

O vento fustigava (sempre quis usar essa palavra , no contexto certo é claro), meu rosto e inflava minha camisa azul marinho Lee original. É o meu combate já começara antes mesmo de chegar ao campo de batalha “Luciana”,mas minha determinação continuava inabalável.

_Não faça o que você pretende fazer, você vai se arrepender!_ me disse alguém que estava parado em uma esquina deserta à 2 quarteirões da casa de Luciana.

_Perdão, foi comigo que o senhor está falando?_ perguntei educadamente (sempre fui um cavalheiro à moda antiga), ao estranho cujo rosto não conseguia distinguir na penumbra.

E a resposta dele foi a mais incrível, mais louca e estranha que ouvi em minha vida.O pior é que eu notava uma certa familiaridade pela sua voz, e sentia que cada palavra que o estranho me dizia era a mais pura verdade.Sim eu não só conhecia aquele cara, como acreditava em tudo que ele dizia (bizarro, não é mesmo?):

 

“_O amor te escraviza e  acaba com sua vida livre

O amor destrói sua felicidade,suas amizades, seu trabalho

Arruína sua vida social, e como a mais potente das drogas te vicia e faz você sempre querer mais.

O amor machuca , e arranca seu coração em pedaços ainda batendo de dentro do seu peito.

Não acredite nos poetas, o amor não é lindo, ele não é tudo, alias ele te faz um nada.

E nada mais continua sendo igual em sua vida depois que você ama.

Não você não vai se recuperar, a vida não vai continuar, não vai ser bola pra frente, acredite o amor, o verdadeiro amor acaba com você, e não sobra nada...

Voce não amará de novo e nem conseguira ser feliz de novo após perder o seu grande amor.Voce nunca mais será o mesmo, e ninguém, acredite, ninguém vai preencher o enorme abismo vazio dentro de você. Não existe novo amor, não existe segunda chance.

Depois de amar, o que resta de você é uma casca vazia em forma de ser humano, alguém que finge viver:estuda,trabalha,tem amigos; mas nada mais e real.

Depois de você amar e perder, e pode acreditar você vai perder, isso e uma verdade universal, não sobra nada que vale a pena chamar de vida, que valha a pena chamar de eu. E nenhuma frase,nenhuma palavra de amor que você porventura dizer a alguém vai ser verdadeira para você. Por que? Oras , não sei ,não sou eu quem faz as regras eu apenas sei o que vai acontecer com você se você amar. Por isso, não diga que não lhe avisei.E principalmente não diga para Luciana o que você pretende dizer!”

Ele se afastou sem pressa, me deixando imobilizado onde estava , toda aquela auto-confiança que eu tinha adquirido nas ultimas horas se esvaziou como a camara furada de um velho pneu.Ele se afastou vagarosamente uma silhueta recortada pelos últimos raios de um Sol poente (sim o tempo já mudara de novo), me deixando escravo de minhas duvidas, derrotado antes de chegar à batalha.

Deveria ter desistido naquele momento, mas já estava muito perto da casa dela seria burrice voltar para casa agora. E acreditem aquele vinil que trazia em meus braços tão caprichosamente embrulhado para presente parecia pesar uma tonelada; simplesmente tinha que me livrar daquilo, mas como? Dá-lo para Luciana, a esta altura do campeonato, já estava fora de cogitação.

Como uma resposta a minhas orações, eis que quem surge no portão para me receber na casa de minha princesa? A irmã mais velha dela (tipo 20 anos), um colosso de simpatia que atendia pela nome de Nívea.

_Olha só quem acaba de sair da toca, e resolve aparecer de novo, o meu cunhadinho preferido!_me beija como ela sempre me beijava me deixando super constrangido, ela se divertia com meu jeito tímido, e neste dia em particular estava inspirada, pois até não sei se foi proposital, mas seus lábios meio que resvalaram de raspão nos meus. (talvez tenha virado a cabeça de forma inconseqüente quando ela tentava  acertar minha bochecha, não me lembro, e nunca tive coragem de perguntar pra ela).

_Oi, tudo bem? Você gosta de musica Nívea?

_Claro que sim cunhadinho (ela gostava de me chamar assim só pra ver o meu constrangimento), quem não gosta?Mas não quero atrapalha-lo pode subir a Lu ta lá em cima, ela vai gostar de te ver depois de tanto tempo.

_E falando na Lu, qual é o gosto musical dela , só rock pop ou às vezes uma baladinha romântica internacional?

_Meu, se você tem amor a vida e não quer sair voando lá do terraço nada de baladinha romântica para ela. Se conheço bem minha irmãzinha, ela não faz o gênero patricinha apaixonada,e principalmente, nada de Menudo, nem mesmo assobie uma das musicas deles perto dela, ela detesta.(BÊEM!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Olha o barulho do alarme de babaquice dentro de minha cabeça se acionando pela primeira vez nessa historia).

_E voce, gosta de musica romântica, e de Menudo particularmente, Ní?

_Claro que sim, sou uma romântica incurável e adorável, você já não sabia disso , querido?

_Só a parte do adorável.

_Hummm!!!!Todo galãnzinho hoje hein? Se conseguisse se soltar assim perto de minha irmã já tinha ganhado ela (é , usávamos essa palavra ainda no jogo amoroso naquela época:ganhar uma pessoa era conquista-la com um primeiro beijo para sacramentar o inicio de namoro).

_Mas estar perto de você, é minha verdadeira fonte de inspiração, serio!E antes que eu me esqueça, isso é pra você uma lembrancinha pra cunhada de meus sonhos.

Ela simplesmente tomou o embrulho de minhas mãos e o rasgou como se fosse a coisa mais importante do mundo.Como explicar..., ela era uma daquelas poucas e raras pessoas que de tão  intensas e espontâneas, iluminam todos a sua volta, sim essa é a melhor maneira de descreve-la, o que lhe faltava de beleza (pelo menos comparada a irmã mais nova), lhe sobrava e muito de simpatia e charme. Ao ver  do que se tratava o disco, fez uma mesura e ensaiou um rápido giro de balé na minha frente (ela fazia balé desde os 10 anos)

_Serei sua eterna serva meu galante príncipe!_me abraçou de uma forma calorosa que só ela sabia abraçar (cara, aquela mina tinha que ter a patente dos abraços calorosos, pois eu desconfio que foi ela que os inventou).

_Bem digamos que se eu precisar de um ou dois favores românticos no futuro, contarei com você ,ok?

_Espero não estar interrompendo nada!_disse num sarcástico tom de voz Luciana que nos surpreendera na estreita escada externa que ligava o portão da garagem ao terraço superior da casa.

Passou por mim fazendo o Maximo para não esbarrar, me evitando o olhar, com certeza sabendo que isso me magoaria.Já com respeito a irmã , não foi tão cuidadosa, e praticamente a atropelou.

_Ei, calma aí princesinha do bairro!Não vai me derrubar, e você por favor tenha educação e cumprimente nosso amigo que acabou de chegar .

_Eu não estou vendo ninguém nessa escada , acho que voce esta maluca e falando sozinha antes de eu chegar.

É com certeza não era meu dia de sorte, mas também como confiar numa sexta-feira 13 para se declarar para garota que amava.Meu plano já estava fadado ao fracasso mesmo antes do meu misterioso encontro com o cara sombrio e inimigo do romantismo no caminho.

Subi, cumprimentei a família só pra não dar uma de mal educado, enrolei meia horinha, me despedi de todos , principalmente de minha grande amiga Nívea e saí com o rabinho no meio das pernas, metaforicamente falando.

Desci as escadas já na penumbra de uma noite que prometia ser longa e melancólica, pelo menos pra mim , passei pelo portão da garagem que estava destrancado e de cabeça baixa desci a pequena alameda que ficava a frente da casa de Luciana, decidido comigo mesmo a não voltar tão cedo.

_Vai embora sem nem se despedir seu mal-educado?

Levantei a cabeça e fui surpreendido por Luciana que estava sentada em uma muretinha na calçada.

_Como posso ser educado com alguém que nem mesmo me vê?

_Não, nem pensar em jogar a culpa em mim por não estarmos conversando a mais de um mês..

_Bem na realidade são 27 dias, 45 minutos e 30 segundos contando._respondi num momento de rara ousadia, consultando meu relógio de pulso digital.

Luciana sorriu, com aquele sorriso que iluminava seu lindo rosto inteiro, e pegando em minha mão olhou divertida para meu relógio:
_Nossa, não acredito que você cronometrou este tempo que não nos vimos.

_Existe muita coisa a meu respeito que você não acreditaria se eu contasse

_Que tal então começarmos pelo obvio.O que você tem pra me dizer?

_Como assim ?_desconversei sabendo onde aquela conversa ia fatalmente nos levar.

_Não se faça de cínico comigo, senhor...!Você sabe muito bem do que estou falando.Repito a pergunta e lhe dou a ultima chance de responder, seja lá o que for:O que você tem pra me dizer?!?

Senti meu coração despencando dentro do  peito como se fosse um elevador desgovernado que caía do centésimo andar do Empire State.E eu sei que muitos de vocês, senão todos que estão lendo esse conto, vão me odiar pelo que fiz em seguida.

_Não Lu, tenha certeza que não tenho nada para te dizer...(BÊEEM!!!!!!!!!!!!!!Alarme de covardia se acionando, e meu amor-proprio se auto-destruindo no processo).

Ela não disse nada, e nem precisava; no que dizia respeito a mim a noite já havia acabado. Levantou-se e saiu andando, não na verdade flutuando, como uma deusa em um conto de fadas. Ela sempre teve um jeito meio top model de andar.

Eu fiquei ali parado, só olhando para sua silhueta que aos poucos era tragada pela escuridão da rua mal iluminada; absorto em meus pensamentos e com um trecho da musica “Você é linda”, do Caetano Veloso martelando na minha cabeça:você é linda, quando atravessa a rua e não olha pra trás.E não, a Luciana também não se virou  nem uma única vez. Mas foi melhor assim , pois se ela se virasse me veria chorando pela primeira vez, e acreditem , você não quer que sua amada veja sua fragilidade emocional quando se é homem,não é verdade?

Meio confuso com os acontecimentos e inspirado por uma bela Lua cheia que brilhava escandalosamente naquela agradável noite de verão, resolvi andar um pouco sem destino, sem pressa de ir pra casa.Porém inconscientemente meus passos me levaram a esquina onde tivera o estranho encontro com o cara misterioso algumas horas antes.Perguntas pipocavam em minha mente:o que significava aquilo tudo que ele disse sobre o amor?Por que sentia que era pra mim que ele estava falando?E a pergunta de um milhão de dólares:por que achara a voz dele tão familiar, e acreditei piamente no que ele disse?

Verdade seja dita, coragem pra falar de meus sentimentos às garotas nunca havia sido meu forte, só que com a Luciana era diferente; eu estava perdidamente apaixonado , sabia que era real e estava disposto a dar a cara à tapa pelo menos por essa vez.Pôxa (gíria da época, lembrem-se anos 80, ok?), não era sobre isso que falavam todas as canções de amor que eu e minha geração não cansávamos de ouvir nas FMs:

“Eu te amo e vou gritar pra todo mundo ouvir”, não me deixa mentir o Roupa Nova no refrão de uma de suas músicas da época.e o Rei me apoiava com sua canção Amor Perfeito:Vem me tirar da solidão, fazer feliz meu coração, já não importa quem errou o que passou,passou...

Estava ali absorto em meus pensamentos e nem percebi que um par de olhos me observavam de uma média distância.

_Fase um concluída com sucesso,alvo prioritário cumpriu com sua participação na missão conforme planejado.Faltam agora mais duas fases para  que a missão seja terminada.Encerrando transmissão, e solicitando acesso ao Continuum Espaço-tempo.

O estranho na escuridão desligou o seu comunicador futurista e o guardou no bolso do sobretudo preto que lhe auxiliava na camuflagem, enquanto me observava anônimo. O céu começou a se iluminar com os rápidos flashes de raios silenciosos, e um vento forte vindo do não sei de onde, começou a soprar na outrora calma noite de verão.

“Vou me apressar , logo começa a chover.Que tempo maluco está fazendo hoje!”_pensei com meus botões. Não prestei atenção em uma misteriosa luz que refletiu na parede de um armazém abandonado, e muito menos na sombra que se esgueirou e desapareceu logo em seguida.

 

 

“Prepare-se para a escuridão, porque ela sempre vai tentar surpreende-lo e acabar com você no processo”.Se do lado de lá, em 1987 consegui usá-la (escuridão) como aliada e permanecer incógnito em missão, do lado de cá,em 2012 ela pode selar meu destino.

Seguro a respiração por alguns segundos, me concentro (manter o foco é tudo), por um momento só ouço o batimento de meu coração e a pulsação do sangue em meus ouvidos.Mas a paciência sempre foi meu dom; aguardo mais alguns segundos e  aguço ao máximo meus sentidos na escuridão. Fecho os olhos e movimento minha cabeça girando-a sobre o pescoço num ângulo de até 90’, sinto uma vibração no ar vindo de algum lugar a minha direita, e instintivamente me inclino quase 50’ para trás tocando a parede com a ponta de meus dedos bem a tempo de ver o flash de luz causado pelo disparo de um taser (daí a explicação da vibração: era o zumbido quase imperceptível da arma elétrica de um de meus agressores ocultos nas trevas). Nesse momento penso em 3 coisas simultâneamente, algo normal em alguem de QI de 250:
1) Tenho certeza que são mais de um , no mínimo um esquadrão padrão Alfa Team de  quatro fuzileiros (líder,sniper,engineer e Telecom)

2) Visualizo a  formação da equipe na escuridão. Se o ataque com taser veio das três horas de minha posição, existe alguém à minha frente (12:00 hrs), e um terceiro a esquerda (09:00 hrs).Visto que estou com as costas junto a parede por onde havia atravessado, não tem ninguém na minha retaguarda.

3) Com certeza o sniper esta mais distante da formação procurando um bom ângulo para o disparo de sua arma de precisão

Sorrio quando abro os olhos e vejo o feixe do laser cortando as trevas e tentando marcar minha cabeça como alvo.Não vou facilitar para eles.Sinto muito mais só 2 sairão com vida desta caverna, e perdoem meu egoísmo um deles tem que ser eu.

Levanto minha perna direita num ângulo reto e quase perfeito de 90’, desço ela usando o calcanhar como martelo com toda minha força: agressor das três horas fora de ação.

Antes que o sniper me acerte , uso a mesma perna direita num movimento de gangorra e dou um salto mortal para trás atingindo o crânio de meu agressor das nove horas;mais um na lona.

Salto para o lado e uso meu oponente das doze horas como escudo, e sinto o impacto do tiro que atravessou seu colete acertando em cheio o seu peito.Tenho só 5 segundos para o disparo do segundo tiro ( pelo som do disparo identifico a arma como um rifle de repetição Mag 2000 semi-automático). Dou três passos largos e rápidos para frente em trajetoria de meu ultimo agressor , o único que pretendo capturar com vida  e arremesso contra ele meu comunicador que quando acionado vira uma flash granada muito potente. A caverna se ilumina numa explosão espontânea de luz, cegando o sniper e fazendo com que ele erre seu tiro.

_ Você tem duas opções agora e apenas uma chance de sobrevivência: me enfrentar e morrer como seus aliados, ou se entregar e continuar vivo por mais algumas horas._ gritei em voz alta enquanto me aproximava da entrada da caverna onde o sniper havia se posicionado.

_Você está enganado.Meus companheiros continuam vivos._ respondeu num tom firme o sniper que recarregava sua arma.

Nesse momento uma rajada de vento fortíssima, como se fosse um furacao irrompeu dentro da caverna tragando os semi-inconscientes soldados para um buraco negro que tinha como epicentro o meu comunicador.

_Como eu estava dizendo antes de ser rudemente interrompido: Você tem duas opções agora e apenas uma chance de sobrevivência: me enfrentar e morrer como seus aliados, ou se entregar e continuar vivo por mais algumas horas. Estamos entendidos , soldado?!

_Sim, senhor!_me respondeu com  a voz um pouco mais hesitante o sniper, ao mesmo tempo que jogava sua arma no chão em atitude de rendição.

 

(Enquanto isso numa “galáxia distante”, em 1987)

O sábado amanheceu resplandecente, sim esta é a palavra para descrever aquele sol maravilhoso, não combinando nem um pouco com o clima sombrio do meu estado de espírito. Felizmente estava de folga e poderia enrolar mais na cama; o restaurante onde eu era garçom só funcionava de segunda à sexta pois nossa clientela era quase em sua totalidade formada por funcionários de uma estatal de Telecomunicações que “trabalhavam”(funcionário público) em dias úteis.

Minha mãe que sabia como eu ficava insuportável e de mau humor pela manhã nem entrou no meu quarto para iniciar a necessária faxina semanal.Eu deitado de costas , braços cruzados apoiando a cabeça, olhos vidrados no teto sem nada ver. A mente vagueava mas invariavelmente voltava aos acontecimentos da noite anterior, assim como a língua teima em cutucar um dente dolorido.

Caraca, que covardia! Eu tinha Lu ali na minha frente, finalmente à sós (isso era raro, ela tinha 2 irmãos super-protetores e uma irmã que meio disputava as atenções com ela do publico masculino que freqüentava a casa em bom número), me perguntando o que eu tinha pra lhe dizer, e eu nada.

Havia imaginado essa cena um milhão de vezes naqueles 2 anos que eu à conhecia, e sempre os finais que eu planejava incluíam declarações de amor e um beijo romântico pra selar nosso namoro, não necessariamente nessa ordem; mas na primeira vez que tivera uma chance real, me acovardara por causa de um sermão de um misterioso vagabundo de rua. Tudo bem que o tal vagabundo sabia o nome dela e sua voz me era estranhamente familiar, mas e daí? Nada  justificava minha falta de atitude.

E agora eu ali em casa curtindo uma bela de uma fossa, enquanto minha deusa (bordão de novela global que pegou nos anos 80), deveria já estar a caminho do clube pra se bronzear. Ah! Eu já imaginava a fila de caras sarados esperando sua vez para passar óleo no seu corpão! E eu aqui sozinho e deixando meu ciúme fazer filminhos mentais que me deixavam mais deprimido ainda...

Bem, nem tão sozinho assim , pois nesse momento senti a cama tremer e as paredes começaram a vibrar prenunciando a chegada de um carro com som super-alto no portão da frente de minha casa.Tratava-se do Minamóvel, um antigo Opala 74 reformado com um banco vermelho-hemorragia e desenho de caveiras na lataria; mais discreto impossível, ainda mais com aquele sistema de som que custara mais que o automóvel instalado na garagem de nosso futuro gênio da engenharia mecânica: Júnior.

Ele estava no primeiro ano técnico do SENAI , mas acreditem já servia para dar aula na Fatec, tendo em vista seu controle absoluto sobre máquinas automotoras. Dêem uma sucata pra ele e ele a transformava em um carrão irado. Seu projeto secreto, que só eu na qualidade de melhor amigo sabia se tratava de algo que deveria entrar para o Guiness Book: um carro transformer, tipo os desenhos da Hasbro (o filme ainda demoraria uns 20 anos pra sair).Era o projeto de sua vida, e pelo que ele tava gastando, pra mim duraria umas 2 vidas pelo menos, mas o cara era persistente. Eu meio que o invejava nesse departamento: persistência nunca fora meu forte, tai o “projeto Luciana”, que não me deixa mentir.

A nave estacionou e o som parou abruptamente, acredito que minha mãe e seus gestos  ameaçadores com uma vassoura foram responsáveis pelo silêncio instaurado.

Ele entrou meio que falando sozinho, como era de seu feitio:

_Pô, as pessoas não entendem! Pra que colocar um som potente no carro se ele têm que ficar sempre em volume baixo?...E aí cara o que ta pegando?_essa última pergunta foi dirigida a minha pessoa quando ele entrou no meu quarto e olhou de forma desaprovadora pra minha inércia em pleno início de final de semana de verão.

_Nada, to só dando um tempo.

_Planos para o fim-de-semana?

_Nada elaborado ainda.

_Meu, e pra que servem os amigos?A galera está chegando aqui em uns 15 minutos. Nós planejaremos o divertimento pra você, é claro.

Bem, isso se tratava da mais pura verdade.Desde que começara a sair com a turma (que era como carinhosamente nos chamávamos), eles sempre montavam minha agenda de diversão nos finais de semana, e em alguns dias úteis também, por que não? Éramos todos adolescentes, cheios de hormônios e energia quase inesgotável para festas, quem já teve quinze anos  sabe do que estou falando.

A turma era composta de Três caras e três garotas: eu, Jr e o Maurício, o irmão caçula da Luciana. As garotas eram:Andrea que apesar de ser a mais velha das garotas era a mais inocente: a Sandra irmã mais nova do Luís, nem tão inocente e a Jaqueline, a caçulinha e mais paparicada do grupo.

 A Andrea tinha 17, a Sandra 16, eu e o Junior, 15; o Mauricio tinha 14 e a Jaqueline 13.

Pulei da cama e me dirigi ao banheiro pra tomar uma ducha antes que o pessoal chegasse, não era a primeira vez que eles usavam minha casa como base de operações antes de alguma saída. Se eu conhecia bem aquela minha turma , os caras até argumentariam bastante, mas as garotas acabariam ganhando a discussão e decidiriam nossos destinos de diversão no final de semana. Vocês sabem do que eu estou falando, pelo menos quem já teve um relacionamento com elas, sabe que é impossível contradize-las.Ah, as mulheres! E principalmente as adolescentes...

Ouvi o riso espontâneo e alto das garotas quando entraram no meu quintal indo para o nosso QG, um quarto de despejo que ficava nos fundos de minha casa onde ficávamos mais a vontade pra conversar. Sorrio de nostalgia quando lembro do som de suas risadas, do espírito de camaradagem que havia entre nós. Aquele sentimento de que nunca iríamos nos separar: amigos para sempre. Os altos papos que varavam a madrugada sobre os mais diversos assuntos, a ida à esquina para ligar no orelhão pro seus pais e inventarem uma desculpa pra dormir no nosso QG (lembrem-se naquele tempo ter um telefone em casa era luxo, devido aos altos preços ou à fila de espera super demorada). Havia inocência, havia amizade e confiança mùtua como jamais desfrutaríamos depois em nossas vidas separados por escolhas inevitáveis que todos fazem na vida ao se tornarem adultos responsáveis. Bons tempos aqueles, que infelizmente não voltam mais...

Saí do banho com o cabelo ainda molhado e alguns pelos no rosto que eu teimava em chamar de barba, estava sem camisa e isto causou um certo alvoroço no grupo feminino quando cheguei na pequena área de serviço onde elas estavam fazendo um social com minha mãe que lavava roupa no tanque.Sabe como é : eu era filho único e minha mãe um tanto ciumenta tinha que ser adulada pelas garotas que frequentavam minha casa.

_Nossa que músculos !_ exclamou a Andrea que era a mais criativa nas brincadeiras .

_Eu prefiro os cabelos encaracolados e meio rebeldes sem causa._ respondeu a Jaq que era mais atiradinha e logo foi me abraçando. Eu afagei carinhosamente seus cabelos muito loiros: ela era a irmãzinha caçula que todo mundo gostaria de ter.

Só a Sandra não disse nada e abaixou a cabeça levemente encabulada, e eu nem me toquei na hora que ela tinha uma paixonite por mim.

_E aí, as senhoritas já se decidiram sobre o roteiro de festas do final de semana?

Não me lembro mais de quem foi a invenção desse método de diversão de nossa turma, mas funcionava de um jeito que jamais nenhum de nós conseguiu achar um substituto à contento. Fazíamos o seguinte: já que as garotas por natureza são mais articuladas e bem-relacionadas que os garotos dessa idade, elas se encarregavam de rastrear com seus contatos (amigas, colegas de classe, parentes,etc..) festas legais que seguissem uma certa sequencia de horários, tipo um churrasco no clube que rolasse à tarde, seguido por um bailinho de matinê (típico dos anos 80, onde adolescentes menores de idade se reuniam numa danceteria após o por-do-sol e curtiam até as 23:00hrs, sem consumo de álcool); e só pra terminar a noite em alto estilo íamos para um inferninho, invariavelmente o Madame Satã e varávamos a madrugada.

Só usávamos esse roteiro quando um dos nossos estava na fossa, o que acreditem era quase todo final de semana. Naquele tempo nós vivíamos um turbilhão de emoções tentando encarar numa boa as mudanças em nossos corpos e mentes e enfrentando juntos os desafios decorrentes da adolescência. As garotas mais jovens ligavam para os pais avisando que iriam dormir na casa da Andrea, que era considerada a mais responsável do grupo, enquanto nós da ala masculina nos preparávamos para encarar a bronca de nossos pais por passar mais uma noite ao relento, e acreditem tinha que ser muito macho pra encarar os coroas naquele tempo.

_Bem começamos com uma básica festinha na beira da piscina de um condomínio no Jd São Paulo (classe média alta), indicada pela filha do chefe do meu pai, eu levo as toalhas._começou a Andrea,a que com certeza era a mais bem relacionada do grupo,fazendo uma mesura engraçada para dar a deixa para a colega falar sua parte do plano.

_Depois temos um casamento com baile e tudo na sede do clube Plêiades, lá pelas nove da noite.Minha prima foi convidada, e nos dará os cartãozinhos para entrar no Buffet pelo muro da área dos vestiários._continuou a tímida e bela morena Sandra.

_Bem gente, vocês sabem que nunca mais me deixarão entrar no Madame..._arrematou com seu jeito sapeca, Jaq .

_Modéstia sua achar que você não pode entrar apenas no Madame Satã, Jaquizinha, pois eu me lembro muito bem que fomos expulsos de 5 casas noturnas badaladas por sua causa só no último mês._interrompi a mea culpa da mascotinha da turma desarrumando carinhosamente o seu cabelo, e fazendo cócegas no seu narizinho arrebitado.

Realmente, apesar do tamanho e da pouca idade, Jaq era a mais encrenqueira de nós todos.Arrumava confusão com caras 2 vezes maiores e mais pesados do que ela e depois se garantia com nós , os seus protetores;tinha também o péssimo costume de se engraçar com boyzinhos acompanhados de ciumentas namoradas.

Uma vez me lembro muito bem de uma tentativa de entrar no cinema dela com uma identidade falsa,só por que  tinha posto na cabeça que queria assistir o badalado filme de terror Hellraiser(1987).Pintou até polícia e só depois de muita argumentação da minha parte (eu sempre fui o conciliador da turma), o PM desistiu de chamar seus pais e levá-la ao Juizado de Menores.

_Caraca , eu não posso nem me defender? Talvez eu exagerei um pouco nas ultimas saídas, mas pensem em como seria sem-graça a vida de vocês, sem euzinha?!_ fazendo a sua versão particular de carinha inocente, que diga-se de passagem merecia um Oscar,  Jaq encerrou o assunto de seu comportamento meio encrequeiro nas baladas de Sampa, sábado à noite.

_E só pra mostrar que estou arrependida, convido à todos para uma festa do pijama em meu quarto essa noite. O tema será:garotas rebeldes e os travesseiros atômicos!

Diferente das outras garotas de sua idade, Jaq sabia como ninguém organizar uma festa do pijama onde qualquer coisa poderia acontecer. Suas festinhas eram memoráveis e ela tinha um talento teatral invejável para criar temas criativos e engraçados.

Além disso, havia um extra maravilhoso para nós rapazes, e nesse momento já trocávamos olhares maliciosos no universal código Morse dos machos:haverá garotas com roupas de dormir.Sim pois as amiguinhas vizinhas de Jaq eram presença constante em suas festinhas noturnas, e tinham pelo menos 3 delas que eram verdadeiros pedaços de mau-caminho.

_Não que eu me interesse, ou mesmo seja necessário a presença de mais garotas na sua festinha de hoje a noite,mas..._comecei meio sem-jeito

_Corta o papo furado; Jaq suas amiguinhas nutritivas vão ser convidadas?_emendou, sem nem um pouco de tato o jovem Mauricio (meu futuro-ex-cunhado).

-Lógico que sim, quem vocês acham que farão parte da nova banda de adolescentes do bairro?

Mais uma das manias de verão da Jaq: formar uma banda feminina.Talvez um pouco menos bizarra que sua mania do verão passado:montar um zôo no quintal de seus avós,que não deu certo quando ela perdeu o controle de seus dezesseis cães ,10 gatos,3 coelhos e uma tartaruga (que foi a única que não conseguiu fugir quando estourou a rebelião, por motivos óbvios).

Minha mãe interrompeu nossa reunião de planejamento para informar que nós meninos deveríamos ir ao mercado comprar algumas coisas que faltavam para o almoço. Enquanto isso, as meninas ficaram ajudando minha mãe na cozinha.

Como tenho saudade daqueles momentos, onde toda a turma reunida almoçava  na minha casa! A cena tinha um quê de família  feliz em seriado americano;éramos unidos, leais e tínhamos a vida inteira pela frente! Como não poderíamos ser felizes para sempre?

No estacionamento do supermercado do bairro, onde colocávamos as compras no porta-malas do Minamóvel, Junior aproveitou a ausência de Mauricio que estava procurando  meio kg de água gaseificada (era brincadeira ocasional pedirmos coisas impossíveis para novos membros da turma que inocentemente queriam agradar); para ter aquela conversa que evitávamos a cerca de 1 mês:

_Bem, e aí você foi na casa do Mauricio ontem?

_Sim,e não: eu e a Lu não nos acertamos.

_Pô, ficou tão na cara assim a minha curiosidade?

_Junior, eu agradeço muito a torcida sua e da Andrea principalmente para que eu conquiste a Lu;mas você já pensou que talvez não é pra dar certo entre nós. A gente se conhece (eu e ela), a cerca de dois anos e não rolou, então acho que está mais do que na hora de cair na real e partir para outra. Cara eu só tenho 15 anos, não é possível que não vou me amarrar mais em ninguém alem dela, não é verdade?

_Poupe o discurso, meu chapa, a quem você está tentando convencer dessa bobagem a lá novela mexicana:nos nunca seremos felizes juntos? Eu sei o que vejo quando vocês estão juntos: o mundo parece que vai parar, Cara sai faíscas .E  eu tenho certeza que ela sente o mesmo que você só é tão estúpida e orgulhosa quanto certa pessoa que eu conheço, que teima em não admitir seus sentimentos.

_Você pode até ter razão , mas eu não sou imparcial, não consigo enxergar por fora essa situaçao. Estou perdidamente apaixonado, e sei que um passo em falso pode acabar com meu sonho de uma hora pra outra, e acredite não quero lidar com essa decepção , cara eu só tenho 15 anos, você mais do que ninguém deveria entender isso, sendo o meu melhor amigo!

_Então em outras palavras você prefere ficar no escuro e não se arriscar à levar um fora?

_Não eu prefiro continuar sonhando por enquanto do que forçar a Lu à uma resposta que poderia acabar com todas as chances de ficarmos juntos; se for pra ficarmos só amigos, cara podes crer, pra mim já é bom demais.

Mauricio se uniu à nós, e com um olhar triste porém significativo Junior encerrou nosso assunto. Nunca mais tive um amigo igual à ele na vida, do tipo que te compreende só com um olhar, e mesmo não concordando sempre com o que faz da sua vida, respeita os seus sentimentos e te dá um voto de confiança.

 

(Enquanto isso, em 2012)

 

O sniper sobrevivente à missão de rastreio à uma das “Passagens”, se dirigia ao prédio destroçado no fim de uma rua esquecida em uma cidade qualquer em ruínas;só conseguia se orientar na escuridão devido as luzes das chamas de construções incendiadas que de tempos em tempos explodiam devido a algum vazamento de gás, bombardeio de facções terroristas, ou algo pior.

Ele tremia e não era só devido ao clima sempre gelado que se instaurara no planeta com o advento do Inverno Nuclear; na verdade ele sentia aquela sensação mórbida de que os antigos descreviam como :alguém está pisando sobre minha sepultura.

O problema era que ele como membro de uma nova geração em um mundo perdido, não tinha noção dessa frase e de outras memórias deixadas por nossos ancestrais antes da Extinção; não havia mais livros, nem internet e nenhum outro reservatório de conhecimento, nada que mantivesse a história coletiva de nossos antepassados.

Era o Pós-mundo, para alguns o Neo-inferno; um mundo sem lei, sem sonhos, sem futuro.

Ele chegou ao limiar da entrada do decadente edifício,e algo o impedia de continuar, se adentrar aquele lugar onde nem mesmo as luzes da cidade incandescente podiam chegar.

_Eu falhei mestre, e agora o inimigo sabe qual serão os nossos próximos passos!_ disse com voz alta porém hesitante o sobrevivente do Alfa Team.

E de dentro da escuridão se ouviu um som rascante e desagradável como ossos sendo esmigalhados por uma pedra maligna. Tarde demais, para o sniper que não sabia da lenda pessoal que cercava o Ser que chamavam de mestre. Dizia-se que o som de sua risada era matéria para o mais medonho dos pesadelos, e ninguém, absolutamente ninguém sobrevivera quando a ouviu de perto.

Olhos vermelhos e cruéis apareceram do nada no meio do Hall escuro daquele edifício, e o sniper começou a chorar como uma criança antes de ser alvejado por uma arma em forma de gancho que possuía um mecanismo de 3 garras de metal, que se ajustavam automaticamente na ferida aberta em seu peito abrindo a caixa torácica e deixando exposto o coração,; porque todos já sabiam dessa nova lenda urbana: o coração era o troféu preferido do mestre em suas execuções pessoais.

 

(Voltando à 1987)

 

A festa no condomínio foi um fracasso fenomenal, daqueles planos mirabolantes da Andrea que sempre davam errado, e mesmo assim pelo comprometimento do grupo em manter sua amizade, continuávamos a participar nos seus esquemas furados. Caras, imaginem uma festa tipo velório com um monte de gente velha em volta da piscina, completamente vestidos de social e falando mal do governo!!Sentiram o drama?

Agüentamos cerca de uma hora o que foi o limite máximo de nossa paciência (para ser justo os salgadinhos e mini sanduíches estavam uma delícia), e fomos embora.

O Opalão setentista de Junior deslizava à uns 100 km/h pela Marginal, pista expressa e no toca-fitas Road-star (mais anos 80 impossível) ouvíamos rock clássico de estrada, porque o sempre metódico Jr. Fazia questão de ouvir a música certa para o momento certo; suas fitas cassete eram todas rotuladas: balada romântica para início de namoro,rock agitado para clima de amasso,musica clássica orquestrada para levar um fora; e outras loucuras só imaginadas pelo seu cérebro doentio.

Nesse exato momento estávamos ouvindo clássicos de Bom Jovi e cantando juntos a plenos pulmões enquanto deslizávamos com o Minamóvel (nome de batismo dado pelo confiante Jr quando o resgatou de um ferro-velho e resolveu ressuscitá-lo).

Éramos livres, jovens e loucos como nunca mais seríamos na vida; sentíamos o vento em nossas faces e o mundo parecia mais brilhante que o normal. Até mesmo eu que começara o dia na fossa, já estava totalmente recuperado e me sentia extremamente feliz ali no banco de carona ao lado do meu melhor amigo que guiava o automóvel com uma eficiência que poucos adultos com habilitação possuíam.

No banco traseiro Andrea,Sandra e Maurício sentados tinham que equilibrar a pequena e sapeca Jaq  que se espreguiçando  esticava as pernas para fora da janela e numa dessas brincadeiras perdeu um de seus tênis.

_Pára o Minamóvel ! Preciso pegar meu tênis , é um ALL star novinho._gritou a nossa mascote hiperativa.

_O caramba que eu vou parar aqui à uns 100 metros do posto de polícia rodoviária! Queridinha eu tenho só 15, lembra-se, e acho que havia algo naquele suco de frutas que eu tomei lá na festa dos coroas além de frutas.

_Era um ponche, cara , eu avisei que tinha um pouco de álcool, você tomou por sua conta e risco!_ avisei, enquanto numa manobra meio arriscada o nosso jovem piloto entrou em um desvio à esquerda e atravessou um viaduto para o outro lado da marginal.

_Eu estou descalça e vamos pra uma festa de casamento chique no Plêiades ?- perguntou Jaq desesperada.

_Bem tecnicamente falando você está apenas meia-descalça, pois perdeu apenas um pé de seu Montreal..._corrigi a pequena tirando sarro de seu tênis novo.Para quem não viveu no anos 80 eu explico: Montreal era o nome do tênis que patrocinava o Programa Domingo no Parque, campeão de audiência do SBT, sempre dado como prêmio para a criança mais chata ou que marcava mais pontos na competição entre escolas. Fazíamos questão de lembrar para a Jaq que na única vez que nossa escola participou no Show ela não pôde ir pois estava doente, e chorou pra caramba. Para amenizar sua dor brincávamos que ela estava mesmo era à fim de ganhar o tal tênis que na época era o supra-sumo de breguice.

_Montreal, o cacete, é um All star, ok?!_retrucou a princesinha já com um sorrisinho maroto se insinuando no seu biquinho de manha.

_Vamos passar em casa, minha irmã têm o mesmo tamanho seu Jaq , tenho certeza que encontraremos um saltinho pra você usar com a roupa social no casamento.

E como sempre coube a Andrea, a mais responsável do grupo solucionar mais este pequeno problema.

O Jr deixou as garotas primeiro na casa da Andrea onde fariam aquela mágica transformação de um estilo despojado de jeans e tênis para um visual mais refinado. Até hoje acho incrível o que uma roupa, um penteado e maquiagem fazem com as mulheres; elas parecem mais sexy, misteriosas, muito diferentes das que convivemos no dia-a-dia.

Por sua vez eu ia tirar do plástico o terno que eu havia comprado à alguns meses e ainda não estreara. É que minha prima se formaria no próximo mês em um luxuoso clube no Ibirapuera ( Magistério) e eu na ausência de um namorado seria seu paraninfo e companhia no baile; além do fato que minha mãe me ameaçara sobre perder alguns privilégios ( tipo receber a turma para dormir em casa), e eu concordara em comprar a roupa social básica: um terno de 2 peças preto na Garbo, uma loja de roupas masculinas no centro de São Paulo.

Não sei porquê, mas estava ansioso para fazer uma pré-estréia do terno com as pessoas que mais confiava nas opiniões de moda: as garotas do meu grupo.Tudo bem que uma parte mais insegura de mim também sabia que seria barra agüentar a zoeira dos meninos, mas fazer o que, a vaidade tem seu preço, não é verdade?

Por razões obvias nós garotos fomos os primeiros a ficar prontos, e após uma inevitável  sessão de zombarias de meus compadres, nos dirigimos a casa da Andrea para pegar as garotas. O Minamóvel estava lavado e polido; o Jr havia passado em um lava-rápido de um conhecido seu que lhe devia um favor (algo sobre uma máquina que ele arrumou e não cobrou nada, ou algo assim, não me lembro bem), e com certeza não ficaria devendo em nada para os carrões que estariam estacionados no local da festa.

A casa da Andrea consistia de um sobrado geminado, que era acessível por uma escadaria que se dirigia diretamente ao portão automático da rua. Havia um grande salão no térreo da casa que fôra construído para ser uma garagem, mas estava sendo usado como loja pelo pai e tio dela que estavam começando um negócio no ramo de madeiras.

Naquele finalzinho de tarde de sábado a loja se encontrava fechada e ao estacionarmos na frente da casa, Jr começou à buzinar de forma impaciente como era de seu feitio.

_Ei , você ta louco ? O pai da Andrea odiava o ultimo namorado dela só por causa dessa mania de buzinar quando chegava; manera cara senão a noite vai para o espaço, pelo menos pra Andrea, e ela é nossa amiga, você sabe que é impossível uma noite de diversão completa sem as pérolas que ela diz._ intervi evitando discórdia.

_Nisso você tem razão James Bond ( apelido por causa do terno), a noite não será igual sem os incríveis pensamentos de nossa filósofa maior!_ concordou Jr com um sorriso nos lábios.

A Andrea sempre fora famosa pela sua incrível capacidade de dizer as coisas mais estapafúrdias nas horas menos recomendáveis. Ela era de uma inocência e candura que nunca mais conheci em alguém; só que todos passamos por grandes embaraços quando estávamos juntos à ela nos seus colóquios super-sinceros.

Saímos do veículo e nos dirigimos ao portão que embora tivesse interfone e tranca automática vivia encostado.Nós que já éramos de casa fomos entrando, tentando não fazer muito barulho afinal de contas não sabíamos como estava o humor do pai da Andrea; bem pelo menos eu tentava manter o silêncio o que era impossível com as constantes brincadeiras infantis do Jr e o Mauricio. Meu, aqueles dois juntos simplesmente não prestava; era um tal de tentar abaixar a calça um do outro, dar peteleco na orelha ou empurrar.

Cheguei a porta da casa primeiro enquanto os dois se acotovelavam às minhas costas só por diversão. A camisa do Mauricio já estava toda fora da calça e o Blazer do Jr tinha marcas dos dedos melados do colega de travessuras.

_Pelo amor de Deus, vocês podem parar um pouco? Cuidado olha o vaso de plantas , seus otários!_avisei enquanto os dois me atropelaram no limiar da porta quando esta foi aberta pela Andrea. Eles se embolaram e quase caíram aos pés da garota, esbarrando e derrubando o grande vaso de plantas que tinha no canto da parede.

Eu que sempre tive bons reflexos, me adiantei e consegui segurar o pesado vaso, deixando apenas um pouco de terra cair no chão.

_Tudo bem rapazes, eu sei que estou linda, mas não precisam se jogar aos meus pés!_ exclamou a sempre espirituosa Andrea.

_E parem de ser crianças caras, vocês estão agora disputando o cargo de mascote da turma com a nossa Jaquizinha?_falei tentando envergonhá-los pelo seu comportamento.

_Alguém aí usou as palavras : crianças, mascote e Jaquizinha na mesma frase?_perguntou com sua inconfundível voz sarcástica a nossa caçulinha, que nesse momento descia as escadas em forma de L que vinham dos dormitórios no pavimento superior da casa.

Perdi o ar, e fiquei sem palavras, e olha que meus amigos sempre diziam que isso era impossível (fazer discursos era minha especialidade); quando levantei meus olhos e vi no que a nossa pequena princesinha havia se tornado.

Ela estava num vestidinho branco estilo trapézio com um tomara-que-caia (decote que era considerado muito adulto nos anos 80). Seu cabelo loiro de um tom mais dourado que o normal e com cachos emolduravam seu rosto angelical.

A maquiagem fora feita por uma prima mais velha da Andrea que estava se tornando profissional na área; sem exageros mas realçando os traços delicados e sua bela tonalidade de cor natural.

Mas o que mais me chamava atenção era a transformação que ocorrera no seu jeito de andar e no seu olhar que agora parecia de uma moça de verdade. Um choque para todos que como eu naquela sala sempre vimos a Jaq como uma criança que nunca iria crescer.

Até os dois brincalhões pararam com sua lutinha de mentira e ficaram olhando para a jovem beldade que descia as escadas.

_Nossa que gata!!!_pensou em voz alta nosso mais jovem amigo, Mauricio corando de vergonha logo em seguida quando os olhos de todos na turma se viraram para ele. Bem, devo ser sincero que nem todos os pares de olhos se voltaram para Mauricio nesse seu momento de sinceridade; eu continuava magnetizado (sempre quis usar essa palavra em algum contexto), pela presença de Jaq.

_Têm algo pra dizer ou vai continuar me olhando com essa cara de bobo?_ me perguntou a princesa sustentando meu olhar.

_Só 2 perguntas pra você, minha dama:Em que castelo você estava escondida, e o que você fez com aquela nossa pirralha irritante?

_Obrigado pelo elogio , meu cavalheiro antes de mais nada. Só tenho pra te dizer que talvez você tenha procurado pelas suas princesas nos castelos errados; e a pirralha irritante vai estar sempre por perto quando você precisar dela.

Após dizer tais palavras que poderiam mudar toda a dinâmica de nossa amizade, me ofereceu seu braço e com o olhar me convidou a ser o seu acompanhante da noite.

_Isto não vai dar certo..._falou em voz baixa a Andrea para Sandra que não conseguia disfarçar o desconforto com a situação.

E a noite estava apenas começando...

(2012)

 

 “_Fique sempre cercado de pessoas melhores que você;isto é essencial para se viver.Pois quando você falhar,e acredite não serão poucas vezes,eles que te salvarão do desapontamento e lhe irão impedir de desistir de tudo.”

Era nisso que eu acreditava e hoje quando me lembro daqueles momentos felizes que vivemos juntos, uma saudade muito grande e profunda dói em meu peito. Pois daquele grupo apenas uma pessoa sobreviveu e se tornou o meu nêmesis, alguém que se auto intitulou Mestre.

 

(1987)

 

De ultima hora o Mauricio resolveu ir para casa, após um misterioso telefonema que fez em segredo para seus pais. Parecia aquele tipo de convocação em que os seus pais deixam bem claro que é pra você obedecer e não questionar.

Assim primeiro tivemos que passar na casa do Mauricio pra depois seguir agora sem percalços para o casório no clube. A Sandra desde o meu interlúdio com a Jaq , estava de bico e evitava meu olhar e nem respondia direito quando me dirigia à ela; além disso foi dela a alternativa de sentar na frente ao lado do motorista alterando uma configuração de lugares que já eram determinados desde que começamos a andar no Minamóvel à uns 8 meses: O Jr como motorista , eu na frente ao lado dele como co-piloto (acreditem quando ele estava meio bêbado, eu o ajudava a dirigir) e os demais no espaçoso banco traseiro.

Mas naquela noite os acontecimentos pareciam tomar um rumo totalmente novo, e como já disse a dinâmica do grupo estava prestes a ser mudada radicalmente. A Sandra que sempre foi a mais caladona da turma, estava toda serelepe puxando papo com o Jr, falando de mecânica de automóveis que simplesmente era o assunto mais interessante no Universo dele; estavam se dando super-bem. Eu estava em um dos cantos olhando pela janela, a Andrea no meio ( talvez de propósito) e a princesinha que estava adorando seu novo papel de musa da turma, na outra janela.

A rua do Mauricio se tratava de uma ladeira feia e estreita de paralelepípedo, mal iluminada e que tinha um córrego fedorento que passava por baixo dela à uns 500 metros da casa da minha amada. Estacionamos do outro lado da rua de frente a casa e o Jr já ia arrancar pra festa quando a Jaq pediu pra esperar um pouco que ela iria no banheiro.

_Caramba Jaq já estamos atrasados, não dá pra segurar e ir no banheiro do clube?_ perguntou o nem sempre cortês Jr.

_Meu se você quer um dia ter uma namorada que não seja seu carro, saiba que jamais pode pedir pra uma mulher segurar e não ir no banheiro. Você me acompanha Andrea; ah! Já estava me esquecendo: algum recado pra sua amada?_só a Jaq mesmo para conseguir mexer com todo mundo em uma só frase!

Fiz um olhar assassino pra ela, enquanto o Jr lhe mostrava o dedo médio ( finesse nunca foi o seu forte). A Andrea obediente saiu do carro e de braços dados ajudou a Jaq a atravessar a rua toda esburacada com seus novos e perigosos saltos.

_É impressão minha ou a Jaq ficou toda metidinha só porque está vestida para matar?

_Bem observado, meu caro Watson ( foi minha vez de por um apelido no Jr). O que mais me intriga é essa mania de mulher não ir para o banheiro sozinha, o que será que elas têm tanto pra conversar?

_Vocês homens é que são tão burros que não percebem quando uma garota quer competir com outra e precisa de uma aliada pra ganhar o resto da noite!_dessa vez a Sandra surpreendeu mostrando que apesar de quietinha era uma tremenda observadora.

Cinco minutos mais tarde três garotas desceram a rampinha de acesso a rua e após os beijinhos de despedida usuais entre amigas, apenas duas atravessaram em direção a nosso veiculo. Mas eu percebi que a Andrea fez uma horinha para entrar meio que a contragosto e ficou segurando a porta enquanto a Jaq entrava primeiro e se sentava ao meu lado. Por um momento meus olhos me traíram e eu olhei para o outro lado da rua.

_Sinto muito mas não é sua amada, é só a Nívea..._mencionou sarcasticamente Jaq _

Parece que a Lu que de boba não tem nada, já arranjou um acompanhante para o sábado à noite. Ah ! Deixa ver qual o resultado dessa equação : Lu + atleta bonitão da escola= uma noite romântica e perfeita!

_Basta Jaq, você sabe muito bem que o nosso amigo nutre sentimentos por ela, para de tentar tortura´-lo, ok!?_ interviu brava Andrea.

A Jaq reagiu dando um sacolejar de ombros, tipo não to nem aí, e ignorando a bronca da garota mais velha, ficou ajoelhada encima do banco passando por cima da Andrea e de forma espalhafatosa mandando beijinhos e tchauzinhos para a Nivea que tinha sido sua babá quando ela era pequena.

A Andrea riu e eu também; era impossível ficar com raiva de nossa mascotinha por muito tempo, e ela nunca gostara do fato de eu ficar apaixonado e sofrendo pela Luciana. Eu comecei a fazer cócegas em sua cintura dando choquinhos enquanto a Andrea puxava os seus cabelos de brincadeirinha; ela se torcia toda e por um momento voltou a ser a nossa pirralhinha que amávamos tanto.

_Aí para , eu vou fazer xixi de novo!!!_ suplicou Jaquizinha em meio a gargalhadas enquanto o Jr buzinando saiu à  toda meio que se exibindo para a bela irmã mais velha do Mauricio.

_Componha-se Jaq , você já é uma mocinha!_ disse Andrea ao ver que o vestido da garota já havia subido mais do que devia. O problema era que após a brincadeira acabar a Jaq continuava segurando minha mão como que pra se defender de futuras cócegas; e eu embora meio desconfortável estava gostando do calor de sua mãozinha sobre a minha.

A Andrea pegou o lance e me olhou feio, e eu pra não deixar a Jaq sem jeito por tirar sua mão de repente , improvisei:
_Nossa que mão mais quente , você tá com  febre, por acaso ?_ retirei minha mão do seu aperto ( com uma certa resistência  da garota, devo dizer) e pus sob sua testa.

Ela me olhou com seus profundos olhos azuis e reagiu como se levasse um pequeno choque quando meus dedos encostaram em sua pele. Eu meio que constrangido retirei rapidamente a mão de sua testa e me afastei dela fingindo que tinha algo pra falar para o Jr sobre um atalho pra chegar mais cedo ao clube.

O clima estava meio quente e tenso no carro, e não era só por causa do verão. Dei graças à Deus, quando chegamos. Saímos e ficamos nos esticando no estacionamento enquando a Sandra foi na frente para encontrar sua prima e conseguir os convitezinhos pra nós. Enquanto os impacientes Jr e Jaq  se adiantavam pela alameda indo em direção ao salão de festas, a Andrea segurou em meu braço e me atrasou um pouquinho; eu que já estava acostumado em ser o suporte de garotas com saltos não estranhei a sua vagarosidade.

_Meu, o que você está fazendo?Primeiro a Jaq que é só uma criança pede pra sentar do seu lado,e agora você cheio de dedos pra cima dela; ela pode estar vestida de mulher, mas isso não engana ninguém, ok?_ começou a me dar um sermão a responsável Andrea.

_Dá licença mina ! Eu sei muito bem quais meus limites. Esqueceu quem foi sempre o guardião da virtude de nossa Jaquizinha quando ela resolve paquerar qualquer bad boy que apareça? Mais ainda, você se lembra que fui eu quem bateu o pé para ela entrar na nossa turma à um ano atrás quando ela tava sofrendo pela morte da mãe e não tinha ninguém para consolá-la !?!

_Sim eu me lembro de tudo isso, e também do fato que você praticamente a conheçe desde que se entende por gente; mas talvez por isso seja mais perigoso pra vocês dois.

Pense, ela confia em você mais do que qualquer um na vida; você foi o principal responsável pela recuperação dela após a morte da mãe, até o pai dela e os irmãos reconheceram isso.Por outro lado, você tem uma queda natural por loiras e gosta de ser o cavaleiro na armadura brilhante sempre defendendo as donzelas em perigo... está percebendo onde isso tudo pode levar?
_Não Andrea, eu te respeito muito, mas dessa vez não quero ouvir seus conselhos desnecessários. Minha relação com a Jaq sempre foi e sempre será fraternal e isso nunca vai mudar, ok? Se você for minha amiga não tocará mais nesse assunto !

Andrea só fez o clássico sinal de fechar os lábios com um zíper, e o assunto se encerrou ali.

Nesse momento, ouvimos os gritinhos de satisfação da Jaq que voltava correndo com os convites na mão; um de seus saltos se quebrou e ela se desequilibrou e caiu ajoelhada no asfalto do estacionamento. O Jr se adiantou e a segurou impedindo que o tombo fosse pior, e enquanto nos adiantávamos para dar assistência à pequena, eu e Andrea trocamos olhares significativos e sorrimos um para o outro, as diferenças já esquecidas.

Ela ainda era nossa adorável criança , não havia com o que se preocupar.

_Ei, seus dois malvados vocês estão rindo de mim ? Olha ficou roxo meu joelho, ai Dé ( que era como ela chamava a Andrea), assopra, vai !

Eu fui andando na frente ao ver que a manha era maior que o ferimento, e me emparelhei com o Jr.

_Cara se eu te perguntar uma coisa, você jura que não vai achar estranho ou contar para as garotas?_ perguntou com voz baixa Jr, enquanto passava o braço pelos meus ombros assumindo um jeito conspiratório como dois condenados no pátio de uma prisão combinando uma fuga num filme B qualquer.

_Ah, você também não cara ! A Jaq é uma irmãzinha para mim...

_Que mané  Jaq ! Estou mesmo é querendo saber o que você acha da Sandra.. ela é bonitinha, não é?

_Claro, super que apóio vocês dois. E o cabelão dela até a cintura e cacheadão é manero pra caramba!_ respondi aliviado.

_É mesmo ! Lembra aquela mina do filme Tuff turf ( anos 80, cinema em casa, tudo de bom!)

_Podes crer.

Mancando mais do que devia a Jaq chegou junto a nós na entrada do salão onde a Sandra esperava com sua prima ( que também não era de se jogar fora, diga-se de passagem). Ela nos apresentou a mesma meio que a jogando encima de mim, enquanto pedia pro Jr, que estava todo solícito aquela noite, pra ir buscar uns refris no bar da recepção.

Nos sentamos perto das janelas, e pelo menos pra mim toda a magia da noite havia evaporado. Não dá pra dar uma de durão para vocês, meus espero não entediados leitores; eu ficara triste com a revelação do suposto encontro de minha amada com um atleta fortão. Poxa, parecia que o gosto pessoal da garota por namorados era tão diferente do meu perfil, que nosso suposto romance futuro ficava cada vez mais impossível. Caramba, eu não precisava de caras misteriosos que vinham nas tempestades pra me falar que meu amor era impossível; tudo ultimamente sinalizava como letras gigantes num Outdoor, sobre a impossibilidade deste meu amor pela Luciana.

Mas meu coração, masoquista e louco insistia em doer só quando alguém por acaso a citava em suas novas aventuras românticas. Todo mundo naquele tempo parecia querer um pedaço da deusa Luciana, e a exceção  de minha pessoa quase todos conseguiam; ela se tornara aquela garota-troféu-mais-bonita-da-escola que era um sonho de consumo de todos os adolescentes do sexo masculino. Na verdade acho que só eu a amava pra valer, sem querer apenas ostentá-la.

Todos pareciam estar se divertindo muito: a Jaq que não parava um minuto ( havia tirado os sapatos e estava dançando como uma louca no meio da pista); o Jr que dava um jeito de colar na Sandra e sempre convida-la para dançar uma musica mais lenta ( tiro o chapéu para ele: sempre foi o cara que lutava pelo que queria); e a Andrea já circulava pela festa com a prima da Sandra e ao acharem o metido a galã do Luis, que era irmão da Sandra se sentiram em casa.

Começou uma música lenta que fizera muito sucesso no ano anterior, por ser da trilha sonora internacional de uma novela da Globo ( Cherriss do Kool and Gang), e a Andrea abrindo caminho entre os casais veio até minha mesa, onde estava sentado sozinho.

_E aí meu amigo solitário, me concede uma dança?

_Não é muito minha praia, mas como negar o pedido de uma amiga?

Me levantei me sentindo meio idiota ( sempre me senti assim quando ia dançar), e fomos para o meio do salão para dançar a tal musica.

_Está pensando nela, não é?

_Está tão na cara assim?

_Meu você numa festa maravilhosa como essa, com cara amarrada e sem um monte de gente à sua volta hipnotizados pelo seu papo intelectual ? Só pode ser o efeito Luciana.

_Pior que é. Parece que ela deixou de ser apenas uma paixão adolescente pra mim e está se tornando uma doença, algo obsessivo.

_E por que você não acha a cura? Conheço garotas que gostariam de ser o seu remédio, algumas até mais perto do que você imagina, e com a idade certa devo acrescentar.

Paramos por um momento de dançar, e eu olhei estranho para ela.

_Eu sei, eu sei! Você não seria esse cara incrível que eu conheço se optasse pelo caminho mais fácil e simplesmente esquecesse a Luciana.

_Não, pois desistir..._ comecei declarando com jeito solene.

_Não faz parte de seus princípios!_ emendou a Andrea enquanto sorríamos um para o outro.

_A próxima dança é minha!_ falou com voz ofegante nossa princezinha loira, que de brincadeira deu um chega pra lá de ombros na Andrea e me puxou para dançar.

A Andrea saiu fingindo indignação e foi enlaçada pela cintura pelo Luis boa-pinta permanecendo assim na pista de dança.

Por sorte ou por azar , não sei a próxima musica era Whiskie a go-go  do Roupa nova que como sabem agita qualquer festa de casamento desse planeta. A Jaq gritou que amava essa musica e começou a dançar um twistie que contaminou todos com a euforia da garota-elétrica e incendiou o salão. Até a noiva levantou a cauda do vestido e começou a dançar.

Nesse momento vi do outro lado do salão o Jr e a Sandra de mãos dadas saindo de fininho em direção as piscinas. Vibrei por dentro de alegria, finalmente alguém da turma ia se dar bem românticamente falando. É , parece que além de aprender a dirigir antes de mim, o Jr seria também o primeiro em outras modalidades. Legal, eu curtia aquele cara pra caramba, e acho que a Sandra seria ótima para ele.

Fomos um dos últimos á sair e tinha uma fila de gaviões querendo conhecer a loirinha de trapézio que fora o destaque da festa; e eu meio que dando uma de irmão mais velho fiquei defendendo a jovem e hiperativa garota que queria cumprimentar todos com os tradicionais três beijinhos.

_Vamos está tarde, chega de beijação!!_ falei com firmeza arrastando ela pra fora do salão.

_Ai, você esta tão chato hoje, mas ta muito bonitinho!_ respondeu a garota brincando com minha gravata.

_Pára com isso, vamos agora!

Ela passou a mancar e falou com voz toda manhosa:
_Mas eu não agüento mais andar, meu joelho ainda está doendo pelo tombo!
_Por isso deveria ter ficado quietinha e não dançado a noite inteira!

_Talvez se você me carregasse até o carro..._ me disse com seu olhar mais inocente e fazendo aquele seu beiçinho infantil que derretia o mais duro dos corações.

Eu a levantei como se fosse uma criança e a carreguei nos braços até o carro. No trajeto evitamos nos olhar, e ela meio sem jeito ficou segurando em meus ombros sem mais piadinhas.

Quando entramos no carro a Andrea me fuzilou com os olhos e eu a ignorei. Dessa vez, ela que havia entrado primeiro, ficou junto a janela, a Jaq no meio e eu no canto oposto. Durante o caminho de volta Andrea, Sandra ( mais animadinha que o normal ) e Jr ficaram conversando sobre como a festa fora legal.

A Jaq que por estranho que pareça estava quietinha ficava de cabeça baixa mexendo no joelho que ficara roxo.

_Está doendo ?_ disse no meu tom de voz mais carinhoso que sempre usava  quando ela ia dormir em casa e acordava no meio da noite chorando pela mãe falecida.Inadvertidamente, coloquei suavemente minha mão sobre seu joelho machucado enquanto a consolava.

Percebendo a bobagem que havia feito, já ia tirando a mão rapidinho antes que a Andrea visse quando fui surpreendido pela segunda vez naquela noite pela já não tão mais inocente Jaq.

_Estou com frio , me empresta seu paletó!_ enquanto me dava uma ordem imperativa, colocou sua mão sobre a minha e com firmeza a segurou onde estava.

Meu paletó que eu havia tirado no calor da festa e estava dobrado no bagageiro, foi rapidamente puxado pela garota que o pôs sobre as pernas tampando nosso pequeno segredo.

Ela alisava minha mão dando pequenos e agradáveis apertos mandando estímulos elétricos para meu corpo todo, e eu comecei a suar e não era só de calor.Deixei me levar pelo momento e fingindo que estava tirando um cochilo recostei minha cabeça no encosto do banco de olhos fechados, enquanto bem de leve passei a roçar a ponta de meus dedos pela parte superior da coxa dela. Senti sua respiração ficar mais ofegante, enquanto ela colou sua perna o máximo que podia na minha.

A situação estava fugindo do controle, mas nada era percebido pelos outros ocupantes do carro devido a meu paletó encobridor. Eu ampliei a área de massagem na perna dela e ela tipo se espreguiçando  dobrou a tal perna por sob a outra, colocando-a encima da minha perna. Fui a loucura, não é nem preciso dizer! Lembrem-se estávamos nos saudosos anos 80, não existia ainda o politicamente correto: ninguém fingia ignorar uma garota só por que ela tinha pouca idade; eu também era jovem pra caramba e estava ainda descobrindo novas sensações no meu corpo, por favor não me condenem!

E assim chegamos a nosso ultimo destino da noite que já virava madrugada (era quase uma da manhã), a casa da Jaq, onde fomos recebidos no portão pelas suas amiguinhas punks e seu irmão mais velho que estava de saída pra balada ( ele era gótico).

_E aí gente tudo bem, cara as chaves de casa ficam na sua responsa, e tem na agenda do telefone o numero do hotel que meu pai está hospedado no interior, só em caso de emergência. Comportem-se Jaq e suas amiguinhas esquisitas.

_Ó quem fala!_ retrucou a Jaq que saíra do carro dando uma encarada na roupa de couro do irmão e na sua maquiagem de vampiro, e como lhe era peculiar pulando, gritando e abraçando suas amiguinhas de banda logo em seguida; todas com roupas pra lá de extravagantes e curtas. Nossa aquela noite prometia, e muito!

Para que entendam um pouco mais sobre como funcionava essa relativa liberdade da Jaq  e seus irmãos vou lhes explicar como era a casa onde eles moravam.

Tratava-se na verdade de uma vilinha com três casas dividindo o mesmo quintal; mas por serem todas ocupadas por membros da mesma família, não havia problemas.

A primeira casa do quintal era a que Jaq dividia com o pai viúvo e os irmãos; a segunda era a casa de seus avós que moravam com uma tia solteirona; no fundo a menor era ocupada por uma tia separada e um casal de filhos adolescentes. O pai da Jaq   trabalhava como vendedor atacadista no interior do estado de SP e ficava mais na estrada que em casa; os irmãos e os primos da Jaq tinham seus próprios amigos e tribos e achavam nossa turma meio cafona pra se andar junto.

Os avós da Jaq eram legais mas por serem muito doentes viviam mais no seu mundinho particular; nos restava apenas as tias da Jaq que acreditem eram bem liberais e não ligavam muito para as maluquices da garota. Agora essa nova mania de montar sua própria banda só de garotas era a última invenção de seu repertorio, e esperávamos todos que seria mais uma moda passageira, como das vezes em que ela resolveu fazer balé ou virar gótica como seu irmão e primos.

Confesso que me surpreendi com o show que as 4 garotas deram pra nós aquela noite. Eu e o Jr que só esperávamos uma briga de travesseiros ou festinha do pijama tradicional ficamos de queixo caído quando as garotas nos presentearam com um cover pra lá de bom da Banda Sempre Livre que era a expressão máxima de grupo feminino de musica pop no Brasil, anos 80.

Mais o ponto alto da noite musical ainda não havia chegado; após uma pausa forçada devido ao fato de uma das tias da Jaq ter vindo reclamar do barulho, a beldade loira que havia mudado de roupa, e estava toda sexy com conjuntinho de minissaia e top de couro, sentou-se num banquinho e após cochichar com sua coleguinha que tocava teclado declarou em voz alta:

_E agora eu ofereço essa canção para o cara que sempre foi meu melhor amigo e é muito especial pra mim!

Eu que estava no sofá nesse momento conversando com o Jr e a Andrea congelei e comecei a ficar vermelho.Sempre fui muito tímido e não consigo disfarçar meu constrangimento em público.

A Jaq simplesmente cantou a música que só quem eram meus melhores amigos sabiam ser a minha preferida “Anjo”, do Roupa Nova.E ela cantou com uma emoção e olhando nos meus olhos o tempo todo!

Ainda me lembro quando ela cantou o trecho: se uma coisa louca sai do seu olhar, fica em silencio deixa o amor entrar, pra que tanta pressa de chegar? Se eu sei o jeito e o lugar...; e fez um gesto quase imperceptível em direção à cozinha.

A musica terminou, todos aplaudiram a performance da garota, e enquanto o resto da turma se aproximava das outras meninas da banda, para ver de perto seus equipamentos, eu escapuli pra cozinha onde a Jaq já fora alguns momentos antes.

Ela estava de costas pra mim distraidamente molhando a mão na pia e passando no rosto, enquanto olhava pela vidraça a noite calma e enluarada lá fora.

Eu agindo por impulso toquei em seu ombro suavemente e sussurrei perto de seu ouvido:
_Precisamos conversar!

Ela se voltando pra mim e por ser mais baixa tendo que olhar um pouco pra cima para ver meu rosto respondeu:

_Esse é o seu problema, você fala demais com as garotas!_ e me surpreendendo me deu um beijo ligeiro na boca ( o que naquela época chamávamos de selinho, e era nada mais que um prelúdio do beijo de língua, este sim o oficial de namorados)

Nada fiz, totalmente paralisado, e essa minha imobilidade e a expressão de surpresa do meu rosto foi o suficiente para que a Jaq interpretasse como rejeição de sua pessoa.

Ela ficou com seus belos olhos marejados e saiu rapidamente da cozinha seguindo pelo corredor e se fechando no quarto.

Eu continuei onde estava meio que apoiado na mesa de jantar tentando organizar a bagunça que estava minha cabeça e os impulsos que explodiam no meu corpo.

A razão me dizia: ela é apenas uma criança, e você o seu melhor amigo, não se aproveite da situação. Mas a emoção, no seu jeito confuso e desesperado me suplicava para ir atrás dela, lhe dar um beijo de verdade e jogar tudo para o alto pelo menos uma vez na vida.

E era isso que eu ia fazer se a Andrea não estivesse na porta do quarto dela pedindo para entrar.A Jaq abriu um pouquinho a porta e disse com voz chorosa:

_Pode entrar Andrea, mas só você por favor, não estou legal.

A minha amiga mais responsável quando viu que eu me adiantava pelo estreito corredor, me fez um sinal com a mão para que eu fosse embora e entrando rapidamente no quarto trancou a porta em seguida.

Eu meio que ardendo por dentro, só recostei a cabeça na porta e ouvi parte do diálogo das duas do outro lado:

_O que foi meu amor, por que você está assim?( era a voz carinhosa e calma da Andrea)

_Não sei, acho que me deu de repente uma saudade da minha mãe e eu quis ficar sozinha. (  a vozinha frágil e doce da Jaq)

_Tudo bem , eu estou aqui com você agora , pode chorar à vontade.

_Só me abraça por favor, não quero me sentir sozinha essa noite.

_Você nunca ficará sozinha, não enquanto tivermos uns aos outros como amigos.

_Acho que eu fiz uma besteira...(voz sufocada e quase sumindo da Jaq)

_Shiiiiiii.... ( respondeu a Andrea e não consegui ouvir mais nada alem dos soluços sentidos da Jaq)

 

(2012)

 

 

 

Você tem que entrar em uma guerra só quando têm condições de vencer; pois mesmo que perca algumas batalhas (ninguém é invencível), saberá que vai vencer no final.

O problema é quando você entra numa guerra interminável, e descobre que não importa como ou quando ela termine, não haverá vencedores em nenhum dos lados.Estamos no ano de 2012, a guerra não acabará nunca, pelo menos é o que eu sinto, e acreditem tenho razões de sobra para confiar em meus instintos. Só tenho 3 certezas na minha cabeça, sobre essa guerra:

1. Foi por minha causa que ela começou

2. Meu inimigo é mais forte do que eu

3.Sangue inocente já foi derramado em demasia.

Aí é a hora que vocês me questionam: por que então não desistir dessa guerra suja e pedir trégua?

Bem paz está fora de cogitação, e desistir dessa guerra significaria desistir de tudo que ainda importa, pois essa guerra é para salvar o que restou do mundo. O mais trágico é que mesmo vencendo essa guerra, não terei com quem comemorar, pois perdi todos os que me importavam em batalhas insanas.

E como já devem imaginar perdi a pessoa que mais amava, na verdade esse acontecimento é que deu início a contagem regressiva para o fim do mundo...ah,isso foi há tanto tempo mas na minha memória parece que foi ontem. Foi mais ou menos assim que aconteceu:

“Cara conhece a garota  e percebe logo na primeira vez que ela será a única na sua vida, a primeira  e a mais amada. Cara diz isso pra garota , ela se apaixona talvez mais pela idéia de alguém que a ama tão profundamente do que pelo cara propriamente. Eles pensam que ficarão juntos para sempre, e que nada será capaz de separá-los, mas a vida, sempre irônica dá um jeito de decepcioná-los.

Só que o cara não aceita numa boa e faz de tudo, absolutamente tudo pra mudar o destino trágico de sua amada. Mexe com coisas que não deveria e quebra o equilíbrio do Universo  tudo para ficar para sempre com sua amada, afinal de contas não é isso que todos nós seres humanos sonhamos em ter: um amor eterno.

Na tentativa de salvar a mulher que ama ele acaba com o mundo, não é isso que todos nós tememos:o Caos, a extinção da raça humana”.

Mas eu não ganho a vida para contar historias passadas, eu sou um guerreiro do apocalipse, sobrevivo um dia após o outro,sem nome,sem amigos... somente um cara que luta por um ideal, que tenta se redimir por tudo que fez, corrigir as coisas; quem de nós pode dizer que nunca desejou ter uma segunda chance? Eu tenho essa chance e não deixarei nada atrapalhar.

Há muito tempo caminho à noite no vale da morte, sozinho... sinto muito sua falta minha garota, eu sempre te amarei!

 

(Em 1987)

 The Cure gravam no sul da França um disco duplo, Kiss Me Kiss Me Kiss Me, um projecto arrojado, com músicas pop belas contrastando com músicas cheias de raiva, relembrando o período mais negro da banda. "Why Can't I Be You?", "Catch", "Hot Hot Hot!!!" e "Just Like Heaven" são algumas músicas do lado pop, que contrastam com "The Kiss", "Torture" ou "If Only Tonight We Could Sleep", "The Snakepit" entre outras. Fazem shows pela primeira vez no Brasil, com oito concertos: três no Ibirapuera em São Paulo, dois no Gigantinho em Porto Alegre, dois no Maracanãzinho no Rio de Janeiro e um no Mineirinho em Belo Horizonte. Felizmente nossa turma pôde ir no primeiro desses shows no Ibirapuera.

Destaco esse Show em especial por se tratar do primeiro que assistimos juntos, e no meu caso em particular o primeiro mesmo.Ainda me emociono, quando me lembro da fila para entrar no Ginásio ;a longa espera pelo ticket do ingresso(que tenho até hoje guardado). E essa noite tambem foi especial devido a outros fantásticos acontecimentos; mas imitando Jack o estripador, vamos por partes:

Já fazia um mês desde os momentosos acontecimentos que eu lhes contei. Estávamos no dia 13 de março , por acaso tambem uma sexta-feira e algumas coisas haviam mudado. Eu e a Jaq meio que nos evitávamos de uma forma que não prejudicava a dinâmica do grupo, e os outros fingiam que nada percebiam do nosso estranho comportamento. Em outras palavras, só conversávamos o estritamente essencial e sempre fazíamos questão de não ficar nem por alguns segundos sozinhos.

Quanto ao Jr e a Sandra, haviam assumido a sua relaçao e eram o casalzinho de namorados mais irritantemente românticos que eu conhecia.A Andrea pasmem, finalmente saiu de debaixo das asas do papai e tirou a sua carteira de identidade (naquela epoca era um processo longo e demorado, que envolvia varias viagens perdidas a delegacia mais proxima de sua casa); embora ela fôsse a mais velha do grupo era a ultima a tirar o RG.

A Luciana, ah, sempre ela... era tema das mais variadas fofocas depois de um certo beijo que tinha acontecido entre ela e pasmem: o ex-namorado de sua irmã mais velha!

A essa altura do campeonato, devo dizer que eu meio que congelara minha paixão por ela. Pô, nao tinha mais jeito, com certeza nós não tínhamos sido feitos um para o outro; quanto mais cedo eu aceitasse isso, melhor.

Foi nesse clima de contradições e novos começos que fomos assistir nosso primeiro show como grupo, e que show!

Quando entramos a casa já estava bem cheia, e enquanto procurávamos lugar pra ficar no gargarejo (na parte central do Ginasio, o mais proximo do palco possível), a Andrea disse:

_Bem eu e o casal 20 ( apelido dado ao Jr e a Sandra) ficamos aqui garantindo nossas posições, por que você e a Jaq não vão comprar refris pra nós?

Fiquei estático, sem reação e a  Jaq, sempre ela, mais impulsiva e com iniciativa do que eu, passou a me puxar pela mão abrindo caminho pela multidão.

Mas não pensem que foi um gesto de carinho; ela parecia estar puxando um cão raivoso pela coleira e nem se importava em olhar pra minha cara.Meu lado masoquista até que estava gostando, e eu me deixei levar pela decidida garota.

_Dá pra andar mais rápido, zumbi? Quero ver a abertura do show e você está me atrasando!_resmungou entredentes a loirinha.

_O que você quiser formiga atômica! Eu sei que crianças na sua idade são por natureza muito impacientes._ respondi sarcasticamente, sabendo o quanto ela odiava ser chamada pelo seu antigo apelido de formiga atômica ( dado devido a sua grande hiperatividade na infância).

_Que engraçado, quando eu estou com um vestido mais curto, os olhos que me devoram parecem se esquecer do fato que sou apenas uma criança; quanta hipocrisia!

Nesse momento fiz algo inusitado: puxei minha mão com força me livrando do seu aperto e falei:
_Estou cansado de suas indiretas pra me magoar. Já faz um mês que estamos nessa guerra fria, e eu não aguento mais você me esfregando na cara tudo que a Luciana faz ou deixa de fazer com seus estupidos namorados! Será que você nao entende que não é mais com ela que eu quero ficar?

Nesse momento ela que estava ainda de costas pra mim se virou e olhou bem no fundo dos meus olhos:
_Por favor não diga algo só pra me criar esperanças, que eu não posso ter...

_E quem diz que você não pode ter?

_A vida, nossos amigos,tudo.

_E desde quando essa garota que eu conheci e aprendi a admirar, se importou com o que os outros dizem?

Se me perguntarem hoje, quem foi que deu o primeiro passo ainda não posso afirmar nada com certeza; foi um daqueles momentos unicos em que parece que o tempo congela e ambos, numa sincronia perfeita, se jogam nos braços um do outro ignorando a tudo e a todos em sua volta. Quando percebi, estávamos  abraçados e com nossas bocas coladas num beijo de tirar o fôlego, literalmente. 20,30 segundos, ou um minuto inteiro; não sei quanto durou nosso beijo, mas com certeza foi o mais longo, apaixonado e maravilhoso que dei em minha vida. Todos os outros beijos na minha não tão vasta experiência pessoal, se mostraram pálidos, fracos e incomparáveis ao meu primeiro beijo de verdade.

Formou-se um circulo em volta de nós, e após o termino do beijo, muitos desconhecidos começaram espontaneamente a aplaudir. Foi um momento mágico, que pra mim deveria ter durado para sempre.

Desnecessário dizer que voltamos para o grupo de mãos dadas e não nos importamos com a surpresa dos nossos amigos ao presenciarem isso, e curtimos o show como se fosse a última coisa que faríamos na vida.

Visto que voltaríamos muito tarde, já tínhamos combinado de dormir todos em minha casa, e enquanto as garotas foram lá pra dentro para trocar de roupa e tomar uma ducha, eu fiquei na varanda de minha casa do lado da garagem onde o Jr estava estacionando o Minamóvel, observando a noite agradável e silenciosa na cidade que nunca dorme.

_Meu, vai ser barra levar esse romance com a Jaq pra frente cê tà ligado?_declarou o Jr, que se sentou no degrau da escada de acesso à varanda.

_Claro que eu sei; mas não dá pra voltar atrás agora , certo?

_Eu só queria saber se você está realmente gostando dela, ou apenas pretende esquecer a Luciana;você sabe que isso têm uma diferença enorme, não é ?

_Sim sei, e não quero complicar mais a minha cabeça pensando nisso. O importante é que eu sinto algo muito forte por ela, e ela também parece sentir o mesmo por mim; e isso já é uma vantagem tendo em vista meu histórico platônico com a Luciana.

Ele sorriu, e bom amigo que era não concordou nem discordou do que disse, apenas mudou de assunto:
_Vai falar com o pai dela?

_E tem outro jeito?Nós estamos namorando agora.

_Cara você é um tremendo de um certinho mesmo! Nem eu e a Sandra que não temos nenhum impedimento obvio, assumimos ainda algo perante nossos pais. Vai com calma é meu único conselho, pra não quebrar a cara.

_Eu sei ;a idade dela e nossa relaçao de amizade vai ser um obstaculo para a familia dela aceitar, mas o que está feito, não pode ser desfeito, não é verdade?

_Vão parar de fofocar e vir pra dentro com seus amores ou está rolando um clima meio gay entre vocês?_perguntou de forma zombeteira a Andrea que abrira a porta da sala nesse momento.

_Pô, eu já tava quase conseguindo um beijo, você me atrapalhou!_ respondi em tom jovial enquanto me dirigia a porta seguido pelo Jr.

_Pra quem demorou tanto para dar um primeiro beijo, até que você está se saindo muito espertinho essa noite._continuou brincando Andrea.

Eu que já havia entrado na espaçosa sala de minha casa quase fui derrubado ao chão quando a Jaq vindo da cozinha sem avisar saltou encima de mim cruzando suas pernas pela minha cintura e me dando um apertado abraço. Eu não resisti e lhe tascei um beijo na boca enquanto o Jr, dava mais uma de suas tiradas criativas:

_Salto em namorado sincronizado:9 e meio; beijo apaixonado:10!

Todos rimos e resolvermos ir dormir , quando minha mãe abriu a porta de seu quarto pedindo silêncio. Olhou para mim e a Jaq abraçados, sorriu balançando a cabeça e repetiu o que ela sempre dizia quando nos via juntos:

_Isto ainda vai acabar em casamento!

Nos instalamos: eu e o Jr no meu quarto que era  o menor e as meninas na sala. A porta foi fechada e só pra garantir a ordem, a sempre responsável Andrea pôs seu colchonete bem junto  a mesma fiscalizando assim quem entrava ou saía do meu quarto.

A Sandra foi para o sofá e a Jaq como já era de costume quando dormia em casa, ficou no seu berço improvisado composto de duas poltronas confortáveis viradas de frente uma para outra com uma mesinha no meio forrada com algumas almofadas.

Logo adormecemos; o cansaço era grande devido ao show daquela noite. E aí tive o primeiro daqueles meus sonhos estranhos:
Estava na rua da Luciana, embora fôsse diferente da real. Havia uma ponte bem no meio dela e embaixo um incrivel e profundo abismo sem fim. A Lu estava do outro lado e fazia gestos chamando-me para junto dela; eu hesitava , talvez com medo do abismo,e ao olhar para trás me surpreendi com a
Jaq, linda e etérea em um longo vestido branco agitado pelo vento.Ela me olhava triste e eu meio que adivinhava seus pensamentos:
“Se voce quer atravessar o abismo e ficar com ela, pode ir... mas não terá volta.”

E eu indeciso, olhei mais uma vez para o outro lado, onde estava o meu antigo amor, ainda sorrindo e me acenando. Dei dois passos em direçao á ponte quando o Sol foi encoberto por uma nuvem e um vento forte passou a soprar de dentro do abismo.

Dessa vez nao me surpreendi com a chegada do estranho. Mudanças de clima e eclipses inexplicáveis já estavam se tornando por demais clichês.

“Não vá, ou você se arrependerá amargamente!”

Ele falou dentro de minha cabeça como só é possivel nos sonhos, mas dessa vez eu o ignorei.Caramba, era só a droga de um sonho (eu acabara de perceber isso), se não poderia ficar com a Luciana nem mesmo em  sonho, seria o mais miserável dos homens!

Comecei a atravessar a ponte que agora me parecia extremamente frágil e que oscilava cada vez mais devido a ventania. Quando estava na metade do caminho, senti um aperto no peito e olhei para trás mais uma vez.

O estranho cochichava algo no ouvido da Jaq e ela sorria; eu tomado por um ciúme incontrolável mudei de idéia na hora e passei a retornar para o lado onde a Jaq estava.

Mas quando cheguei junto à ela, o estranho havia sumido, e a pequena e frágil garota estava deitada no chao duro da rua com as mãos cruzadas sobre o peito, adormecida.

O sorriso continuava em seus lábios e me parecia que ela estava sonhando dentro do meu sonho se é que vocês me entendem.

Acordei assustado e molhado de suor, no chão de meu quarto (o Jr ficara com minha cama), e com uma urgência repentina me levantei e abri a porta de acesso a sala.

Pulei por cima da Andrea  e fui ao interruptor na parede para acender a luz.

_Ei, eu quero dormir...volta pro seu quarto._me disse com voz empastada de sono Andrea.

_Apaga essa luz, por favor._murmurou a Sandra enquanto cobria a cabeça com o lençol

_Gente, temos um problema!_exclamei assustado enquanto balançava a Jaq que não acordava de jeito nenhum.

Já passava das 04:30 da manhã, e nós ainda continuávamos na sala de espera do hospital  das Clinicas na ala de Neurologia.Eu,o Jr, a Andrea e a Sandra, havíamos trazido a Jaq  para esse hospital visto que o primo do Jr trabalhava na administração e facilitou o atendimento de emergência da loirinha que continuou inconsciente por todo o trajeto.
_ Meu pára de andar de um lado para o outro, você esta me deixando nervosa!_ Quebrou o silêncio da sala, a Andrea se dirigindo a mim que era o único que não estava sentado.

_ Pôxa, já era para o medico ter vindo falar com a gente. Faz quanto tempo que ele esta examinando a Jaq?
_Sei lá, acho que a mais de 1 hora._ arriscou Jr.

_É,só que acho o seguinte, me corrijam por favor: temos que avisar algum parente maior de idade sobre a Jaq, certo?

_Fica fria, Sandrinha; meu primo vai dar um jeito na burocracia, e pra todos os efeitos, a Andrea assume como responsável, acho que ninguem vai pedir o Rg por enquanto._tranquilizou o Jr.

_ Gente é sério, temos que avisar algum parente dela!_sentenciou Andrea

_Só depois de ouvirmos o medico, ok?!_ encerrei o assunto.

Nesse momento a porta dupla pneumática se abriu e o medico acompanhado do primo do Jr veio ao nosso encontro, com uma expressão preocupada.

_ Galera, por acaso vocês perceberam alguma coisa fora do comum essa noite com a Jaq, tipo ela com dores de cabeça ou tonturas?_ perguntou o primo

Todos negamos, embora no meu caso , sabia que algo de muito sinistro havia acontecido naquele sonho que tive, e estava relacionado à inconsciência da Jaq .

_Bem já que vocês não sabem de nada, o doutor vai mantê-la em observação e esperaremos por resultados.

_Mas o que ela tem exatamente doutor?_ perguntei me dirigindo ao medico.

_ Não posso adiantar meu diagnóstico antes de alguns exames que vou fazer, mas posso dizer que fisicamente não há nada de errado com ela: seu pulso é regular, respiração normal, não há tóxicos em seu sistema ou álcool. Mas só terei mais certeza após uma tomografia que só posso fazer com autorização de um parente responsável.

_ Eu tenho o telefone da tia dela, vou ligar. _ disse a Andrea ao se afastar em direção da recepção do andar.

_Ótimo, só nos resta esperar agora. _ falou o primo do Jr.

Dando por encerrado o assunto o medico passou a se afastar indo em direção a sala de emergência. O segui e tocando em seu ombro perguntei em voz baixa:
_Se o senhor fosse me dizer algo não oficial sobre a condição dela, o que me diria?
_Diria que ela está apenas dormindo, mas um sono tão profundo que não reage à estímulos externos.

_Por acaso ela está sonhando? _ indaguei.

_Como você sabe disso ?_ perguntou intrigado o medico.

_Por que talvez eu saiba o que aconteceu com ela.

_Me acompanhe.

E quebrando o protocolo, o doutor me deixou entrar na UTI onde a Jaq estava em observação. Tratava-se de uma sala ampla cheia de equipamentos caros de monitoração.

A garota estava em uma maca próxima à uma dessas máquinas, e fios estavam conectados a sua cabeça. Ela me parecia um anjinho dormindo, e estava mais bonita do que nunca. Senti um carinho profundo por ela, ali tão frágil e delicada; e tive certeza nesse momento que nada no mundo me tiraria de perto dela.

Peguei sua mão entre as minhas enquanto o doutor fazia uma leitura nos gráficos que eram impressos pela máquina de monitoramento ao lado.

_Está vendo esses gráficos. São a leitura do estado REM dela. Seja o que ela está sonhando é extremamente agradável, e real de uma maneira que seu cérebro não sabe processar a diferença. Ela pode ficar nesse estado por horas ou dias, não dá pra saber; e agora me conte qualquer coisa que você saiba sobre isso._ me explicou o medico enquanto me mostrava os tais gráficos.

Lhe contei em detalhes o sonho que tive, e ele como era de se esperar fez uma cara cética.

_Bem acho que tudo não passa de uma estranha coincidência. Porém obrigado por me contar; usarei todas as informações que tiver para ajudar essa garota a acordar.

Ele trouxe para mim uma cadeira e me convidou a sentar ali do lado da maca dela.Pôs a mão em meu ombro e disse:
_Dá pra perceber, que ela é muito importante para você.

_Ela é a pessoa mais maravilhosa que eu conheço, e acho que a amo.

_ Com certeza ela tem sorte de ter alguém como você por perto. Vou pesquisar algo em minha sala, sobre estados de sono profundo, pode ficar com ela o tempo que quiser.

Assenti com a cabeça, enquanto o doutor compreensivo saía da sala, me deixando só com a Jaq.

E aí me deu um daqueles estalos, de quando a gente descobre o resultado da ultima equação de uma difícil prova de matemática. E SE EU VOLTASSE A DORMIR E CONSEGUISSE CONTINUAR O SONHO DE ONDE EU HAVIA PARADO?

Era uma idéia meio maluca, mas convenhamos nada estava muito convencional ultimamente em minha vida. Fechei os olhos e passei a me concentrar nas lembranças do sonho, ainda vívidas em minha mente cansada.

Comecei a contar mentalmente e deitei minha cabeça sobre o ventre da garota. Mas estava por demais agitado, e não consegui pegar no sono.

Foi aí que tive a segunda mais fantástica idéia daquela noite; me levantei e me dirigi a porta por onde o dr havia saído. Quando viera com ele para a UTI, havia identificado de canto de olho uma porta que parecia dar acesso à um deposito com um monte de armários fechados. Se era o que eu pensava, poderia achar medicamentos que me induziriam ao sono mais rapidamente.

Entrei na tal salinha e passei a vasculhar os armários, e achei um tranqüilizante que segundo a bula poderia me ajudar no que precisava. Levei o mesmo no meu bolso e ao voltar a sala de UTI, achei uma pequena pia para lavar instrumentos e tomei um pouco de água com 2 comprimidos.

Voltei a me sentar perto da Jaq e peguei em sua mão enquanto fechava os olhos e me recostava na cadeira, tentando focalizar a minha mente no sonho que tivera, mais particularmente naquele momento em que ele havia sido interrompido.

Não sei por quanto tempo fiquei naquele estado inerte, só sei que parecia que o calmante não fizera o efeito desejado. Tive um pequeno sobressalto e quase cai da cadeira, levantei e passei a nervosamente andar de um lado para o outro enquanto murmurava comigo mesmo:

_Droga, não consigo dormir, e não sei porque sinto que a culpa de a Jaq estar nesse estado é minha. Tenho que acorda-la !!!!

Estava de costas para a maca, e qual foi a minha surpresa, quando me virei e a encontrei vazia !!!

Rapidamente conferi as outras macas pra saber se não tinha me enganado; mas era ali que a  Jaq deveria estar. Os fios que antes estavam conectados a sua cabeça estavam espalhados a esmo pelo chão e o lençol estava liso como se aquela maca não estivesse ocupada à alguns segundos atrás.

Desesperado me dirigi a porta e a abri bruscamente sendo cegado pela luz do sol que invadiu o ambiente. Percebi que estava sonhando nesse momento, pois do outro lado da porta estava a rua da Luciana do mesmo jeito que eu  a visualisei no sonho anterior.

A ponte frágil de madeira havia desaparecido, talvez caída no abismo e do outro lado ao invés de ver novamente a Luciana, eu identifiquei o estranho da tempestade.

_É espantoso, você conseguiu voltar !_ me disse ele telepaticamente.

_Eu faço qualquer coisa para ter a Jaq de volta!!!_ respondi do mesmo jeito.

_Sempre escravo de suas emoções..._ me disse ele enquanto sorria daquela maneira desagradável que só os vilões de filmes sabem sorrir_ essa é sua maior fraqueza.

_Não você esta errado; o amor sempre será minha maior força! Onde ela está ?

_ Essa não é a pergunta certa !

_O que eu tenho que fazer para trazê-la de volta?

_Estamos agora nos entendendo. É simples, você dá mais alguns passos e pula no abismo, e eu devolvo ela para o seu mundo. Fique tranqüilo , é apenas um sonho você não irá sofrer nada._o estranho continuava falando dentro de minha mente e a única coisa que me lembro é dos seus olhos terem um estranho brilho vermelho enquanto se fixava nos meus.

Se tem uma coisa que eu sempre respeitei em mim, foi o instinto de perceber quando estavam tentando me enganar. Tudo naquele sujeito cheirava à mentira e trapaças, e eu não estava disposto a fazer um acordo com ele sem minhas garantias.

_Primeiro me mostre onde ela está, e aí conversamos.

_Negociando... como vocês jovens de hoje em dia são petulantes !

_Ou isso ou nada, pode escolher!_declarei enfaticamente.

Ele parou de sorrir e fez um gesto com a mão esquerda no ar como se estivesse desenhando alguma coisa. Um forte vento passou a soprar do fundo do abismo e em alguns segundos vi surgir minha princesa que continuava em transe suspensa sobre o nada.

_Fique tranqüilo, você salta e ela acorda instantaneamente sem se lembrar do que aconteceu do lado de cá.

_Não vai ser assim tão tranqüilo quanto você pensa !_ lhe respondi enquanto tomava certa distância e num rápido impulso pus-me a correr em direção do abismo, sempre repetindo como num mantra mental:

_Vou voar até ela, vou voar até ela...

Ele surpreso com minha tentativa desesperada de resgatar a garota, nem teve tempo de reagir com seus truques baratos de mágica. Saltei usando toda a energia mental que tinha naquele sonho singular, e por incrível que pareça não encontrei resistência nas leis da gravidade. Agarrei com força o corpo inerte da garota no ar e completei o trajeto até o outro lado do abismo.

Quando atingimos o chão senti o fluxo de ar a minha volta mudar, e fui como que sugado de volta a consciência.

Estava novamente na sala de UTI do hospital das Clinicas, sentado ao lado da garota que mais amava ,e qual foi  minha surpresa quando vi que a mesma havia despertado e me sorria daquela maneira que só ela sabia sorrir.

_Agora eu posso dizer que sou a garota dos seus sonhos, certo?!?_ me disse ela com sua voz melodiosa.

_Não, você é a garota da minha realidade !!!_ respondi calando-a com um prolongado beijo na boca.

Meia hora depois, toda a turma estava reunida em um quarto particular para onde Jaq  havia sido transferida após acordar.

_Eu só não entendi uma coisa: você sonhou com a Jaq que no seu sonho dormiu e sonhou com outra coisa?  Caramba que confusão!_declarou com jeito aturdido Jr.

_Mais ou menos isso. _ respondi

_É realmente eu me lembro da parte do sonho em que estamos na rua da Lu e tem uma ponte atravessando um abismo.Nosso apaixonado otário vê sua musa do outro lado  me deixa sozinha..._começa a explicar à uma platéia atenta, o sonho misterioso com seu jeito debochado, Jaq.

_Ei, calma lá ! Eu só vira a Luciana até essa parte do sonho, depois quando estou no meio da ponte  olho pra trás e te vejo; não hesito mais nem por um instante e volto para o seu lado._ me defendo corrigindo a garota.

_Ah gente, foi tão fofo! Ele voltando para o meu lado todo decidido, parecia coisa de filme...

_Tá! Tirando agora o efeito xarope de novelinha mexicana vamos ao que interessa: foi aí que você viu pela primeira vez o tal cara estranho ?_ indagou Jr.

_Sim, porém não exatamente pela primeira vez._ respondi.

_Você quer dizer que já viu esse cara antes?_ perguntou Andrea.

_Sim, só que acordado, entendem?

_Não absolutamente, estamos perdidos nessa história!_ declarou enfaticamente Andrea, enquanto todos os outros do grupo me olharam com perplexidade.

_Calma, vou explicar desde o inicio: à cerca de um mês atrás...

E passei a contar em detalhes a historia do meu primeiro encontro com o estranho( era como resolvemos chama-lo) em 13 de fevereiro último.

A Jaq fazia uma cara engraçada toda vez que eu dizia o nome da Luciana e minhas estupidas tentativas de me declarar.

Todos riam muito das caras e bocas que ela fazia, sentada na cama do hospital. Eu estava sentado em uma cadeira ao lado dela e nem por um instante sequer largávamos nossas mãos, como se tivéssemos medo de ser separados de novo.

_Cara que surreal ! Sabia que você era maluco, mas que sua vida tá virando um filme de ficção, pra mim é novidade._ concluiu Jr após o fim de meu relato.

_O mais bizarro pra mim, está escapando pra voces todos: que historia é essa de alguém entrar e sair do sonho de outra pessoa?_ nos advertiu a observadora Sandra.

_Realmente acho que essa é a parte que devemos nos concentrar para achar respostas.concordou com ela a Andrea.

_Vocês estão entendendo tudo errado!  O principal aqui é simples: euzinha sou a garota dos sonhos  de todos os garotos que sabem o que querem da vida!_enfatizou a paciente loirinha que foi sumariamente silenciada, quando o Jr simulou com o travesseiro o seu sufocamento.

 

(2012)

 

As passagens foram abertas acidentalmente ( ou nem tanto ) em 2007; quando o CERN na fronteira franco-suíça, o maior acelerador de partículas do mundo explodiu causando um evento em cadeia que segundo especialistas causou uma grande destruição na Europa com uma estimativa de 10 milhões de baixas.

Além desse raio de destruição gigantesco que contornava a localização do CERN, cientistas no mundo inteiro reportaram o aparecimento de pequenos vórtices (pequenos buracos-de-minhoca), em mais de uma duzia de lugares diferentes do planeta.

Ao serem estudados tais “passagens”, como foram classificadas; mostraram comportamentos diferentes das leis da Física e Gravidade Universal. Mostraram-se na realidade se tratar de fendas no Continuum Espaço-Tempo, onde com tecnologia compatível seres humanos poderiam teoricamente  viajar ao passado.

Os USA e a China criaram agências de exploração do Continuum Espaço-Tempo; demorou cerca de três anos para os norte-americanos criarem um mecanismo que permitia a viagem no tempo de um humano; os chineses conseguiram em 4. Assim sendo, em 2010 o primeiro homem viajou no tempo, para o seu passado (só era possível viajar ao passado durante o período de vida do agente, nunca numa data anterior ao seu nascimento).

Ele voltou ao início de 2001 e alertou a CIA e o FBI sobre o atentado de 11 de setembro, tentando impedi-lo.

Quando encontraram o seu alter-ego mais jovem, ainda se graduando em Quântico, prenderam sua contra-parte do futuro, isolando-o e negando todas as informações que ele tinha como sendo loucura paranóica. O mesmo agente conseguiu fugir e morreu na torre Norte tentando impedir o atentado em Nova Iorque. O máximo que conseguiu foi um mausoleu no cemitério de Arlington como herói nacional morto em missão.

Parecia que apesar do salto fantástico de tecnologia que significava as viagens no tempo, a Humanidade ainda levaria certo tempo para mudar sua mentalidade fechada e retrógada, infelizmente presente em muitos líderes.

Embora grande parte dessas informações serem veladas ao grande público, e classificadas como Top Secret, eu tenho acesso à todas elas. Também sou possuidor da mais moderna e poderosa tecnologia que permite viajar no tempo utilizando as devidas passagens espalhadas pelo mundo. Não pertenço a nenhuma agência, nem sou apoiado por nenhum governo; sou um agente clandestino assim como aquele que se intitula o Mestre.

A diferença básica entre nós é que ele deseja o caos e a destruição da raça humana, eu tento salva-la. O irônico é que eu fui responsável pela explosão do CERN em 2007, e o Mestre fazia parte do grupo de cientistas que  criticava a manipulação perigosa do Continuum espaço-tempo praticada sobre minha supervisão.

Meus motivos pessoais eram um mistério para minha equipe. Ninguém sabia que eu tentava já por mais de 10 anos contrariar as Leis da Natureza; eu tentava impedir a morte da mulher que amei desesperadamente por toda minha vida. Ela morreu em 1997, ano que eu num intercâmbio internacional consegui uma bolsa de estudos em Princeton, nos USA.

Me dediquei de corpo e alma para a ciência, especialmente Física de Partículas e estudo de Buracos-de-minhoca. Acidentalmente causei a morte de 10 milhões de inocentes e o Mestre sabe e me culpa por isso; entre as vítimas estava a mulher que ele amava.

Descobri que para mudar a linha temporal de minha amada impedindo sua morte (sem matar inocentes no processo) tinha que recuar à 1987, o ano em que ficamos juntos. Se nossas vidas não se cruzassem ela nunca estaria no local do acidente  que a vitimara em 1997. Para salva-la tinha que abrir mão do seu amor.

Por isso voltei ao passado e dei uma mensagem ao meu alter-ego mais jovem em 1987. O problema com o qual eu não contava era que o Mestre descobriu meus planos e faria de tudo para impedi-los. Se eu posso viajar no tempo, ele aprendeu a manipular os sonhos das pessoas. Sua área de interesse principal na Ciência era o cérebro humano e o estado de sono REM. Se qualquer um hoje em dia pode viajar no tempo com a tecnologia certa, apenas o Mestre pode entrar e manipular o sonho das pessoas ( de que jeito, eu fiquei mais tarde sabendo). Tenho que tirar essa vantagem dele, e parece que por incrível que pareça meu eu mais jovem pode me ajudar nesse sentido. Ele também possui a capacidade de manipular sonhos.

(1987)

Depois de um show inesquecível no Ibirapuera e uma noite no Hospital das Clinicas que conseguiu ser mais emocionante ainda, estávamos exaustos.

Apesar da tia e de um dos irmãos da Jaq terem vindo ao hospital preocupados com o estado da garota, ela se recusou a desgrudar de mim nem por um minuto e fêz questão de voltar no Minamóvel quando recebeu alta, com o sol de sábado já iluminando o que seria uma bela manhã em Sampa.

O Jr à poder de muita cafeína conseguida na máquina de expresso na recepção do hospital, vinha dirigindo alerta, enquanto trocava palavras em voz baixa com a Sandra no banco dianteiro:
_É, nossos amigos apagaram no banco de trás.

_Depois da noite que tivemos não os culpo._ respondeu no mesmo tom Sandra

_ Acha que esses dois vão durar?_ perguntou Jr observando pelo espelho a serenidade do rosto da Jaq que estava recostada em meu ombro.

_Por incrível que pareça, acho que se depender dela têm mais chance de durar do que do nosso amigo. Caso você não perceba, por ser o seu melhor amigo, ele não é um exemplo de cara decidido nesses assuntos do coração.

_Eu sei disso. Quero só ver qual será a reação da Luciana quando souber que os  dois estão juntos.

_Mas Jr, a Lu nunca  se importou muito com os sentimentos dele...

_Não, realmente nunca se importou quando tinha certeza que era a única no seu coração. Algo me diz que a concorrência dela agora será feroz...

Para confirmar a profecia de Jr, a Jaq ainda meio sonolenta no banco traseiro, se aconchegou ainda mais no meu peito e me deu um suave beijo nos lábios, como que marcando seu território.

Como o meu amigo Jr havia previsto estar com a Jaq era uma competição constante. Tudo começou em tom de brincadeira, quando no almoço que fomos convidados, ainda na mesa, surgiu o assunto:
_ Mas de vocês dois quem começou a gostar do outro primeiro?_ uma simples pergunta inocente feita pela tia da
Jaq na frente de toda a sua familia e de meus amigos, que tambem haviam sido convidados para a tradicional macarronada de domingo (a familia da Jaq era de origem italiana).

_Fui eu , com certeza!_respondeu prontamente a Jaq.

_Mas eu que tomei a iniciativa do primeiro beijo!_ arrematei com orgulho.

Ela simplesmente por sob a mesa quase esmagou meus dedos da mão ( nunca mais consegui repetir tal experiência com uma namorada; ficar de mãos dadas mesmo quando estávamos almoçando era uma dificuldade, mas não conseguiamos nos desligar).

_Hum, então já houve o primeiro beijo?_ perguntou de forma um tanto interessada uma das tias.

_Que lindo, o amor é tão bonito nessa idade de vocês!_ concluiu a primeira tia que era mais romântica.

_Quero só ver o que meu pai vai achar disso, quando voltar da viagem..._ lembrou o irmão gótico e estraga-prazeres da garota.

E a Jaq que sempre foi impulsiva, ao ouvir o tom velado de ameaça na declaração do irmão mais velho, ofereceu pra mim uma garfada de seu spaghetti. Eu aceitei prontamente, e qual foi a minha surpresa quando ela ao invés de me dar o macarrao na boca, me deu foi um delicioso beijo.

As tias aplaudiram, o irmão dela ficou com cara de bobo, e meus amigos bateram  com os punhos na mesa de forma ritmada.

E eu ignorando o barulho e as reações de todos simplesmente fiquei ali em silêncio olhando pra ela, com uma expressão séria e pensativa.

_Você não cansa de me encarar não? _ me perguntou ela com um sorriso nos lábios.

_Eu quero decorar todos os detalhes do seu lindo rosto, pra quando eu dormir poder sonhar com você a noite inteira!_ respondi olhando nos seus profundos olhos azuis.

_E eu quero te beijar e te amar por todos os dias da minha vida!

Fazia-se um barulho ensurdecedor na mesa após cada uma de nossas declarações. Todo mundo comemorava como se fosse gol da seleção brasileira em Copa do Mundo. Na verdade, desde os acontecimentos tristes no ano passado que se abateram sobre essa familia ( a morte da mãe da Jaq), nunca ouviu-se tanta festa em um almoço como naquele.

Todos torciam para que eu e a Jaq fôssemos felizes, pois já sabiam como eu havia sido carinhoso e dedicado  quando ela mais precisou. Chega de tristezas, chega de perdas, e no meu caso chega de amores impossiveis: a Jaq estava ali do meu lado pro que der e vier e para mim isto era o que importava.

No decorrer daquela semana entramos sim numa competiçao acirrada; uma maratona para provar quem amava mais. Na segunda lhe mandei flores. Na terça ela ofereceu uma música para mim na rádio.Na quarta eu coloquei uma faixa com uma poesia de autoria propria pendurada na frente do poste da casa dela. Na quinta ela fêz uma serenata de madrugada na minha rua. Na sexta eu passei 3 horas convencendo seu pai de nos deixar namorar apesar da pouca idade. No sábado ela voltou a ficar inconsciente, só que desta vez parecia ser definitivo. Ela havia tomado muitas pílulas para dormir após o mais triste,amargurado e doloroso rompimento de minha vida romântica. Nós resolvemos dar um tempo, pra ver o que eu realmente sentia ( na verdade quem forçou o rompimento foi ela, quando  me pegou em uma mentira sobre uma conversa meio íntima com a Luciana).

Ela me pôs contra a parede e exigiu que eu fosse absolutamente sincero sobre o fato de ainda sentir algo pela Luciana;  entre lágrimas e suspiros Jaq me convenceu que era melhor ficarmos um tempo separados até eu ter certeza dos meus sentimentos.

Mas pra não botar o carro na frente dos bois, vou contar a historia do tal fatidico rompimento desde o começo: mais um sábado nascia com a promessa de ser um belo dia ensolarado na cidade de São Paulo, e pra mim particularmente naquela semana todas as manhâs foram "ensolaradas", afinal de contas quando se está apaixonado vemos o mundo com cores mais brilhantes, vocês meus caros leitores ainda devem se lembrar disso, não é verdade?

Acordei, fui tomar meu banho, cantando no chuveiro como à tempos não cantava.Dei um beijo em minha mãe que disse:
_Essa garotinha loira está te fazendo um bem enorme!

_A Jaq  é  minha vida e a razão de toda a minha felicidade!_ respondi com os olhos brilhando, e nunca fui tão sincero em toda minha vida ao falar de meus sentimentos mais íntimos.

Fui à padaria comprar o leite e pão de cada dia, e aproveitei pra dar um telefonema à minha namorada ( sim desde a longa conversa da noite anterior com o pai dela, éramos namorados oficiais), do orelhão que ficava na esquina.

_A Jaq  minha namorada, por favor!_ falei solenemente quando alguém atendeu do outro lado.

_Hum, estamos tão orgulhosos,namoro oficial agora, estou sabendo! Fiquei muito feliz por vocês. Olha faça minha sobrinha muito feliz, ela merece depois de tudo por que passou no ano passado. E ela já gosta de você desde que se entende por gente.

_Pode deixar tia, saiba que a senhora sempre foi a minha preferida, e é a da Jaq também.

_Vou chamá-la, só um instante...

Sabe quando você conta os segundos na maior ansiedade, antes de ouvir a doce voz da garota que ama? Vocês já sentiram aquela dor no peito causada pela ansiedade antes de se encontrar com a namorada, só para descobrir que ela ainda está mais bonita do que da ultima vez que se viram?

_Eu estou morrendo de saudades !_ me disse na sua voz suave e entrecortada por suspiros, e eu passei a imagina-la do outro lado da linha, tão linda, tão fragil e tão minha.

_Não tanto quanto eu, já fazem exatamente 9 horas,13 minutos e 45 segundos e contando, desde a ultima vez que nos vimos ontem à noite._ respondi consultando o meu cronômetro no relógio de pulso.

_Nossa, você conta o tempo que fica longe de mim? Que fofo!!!!!

_Corrigindo, eu conto o tempo que eu perco da minha vida quando estou longe dos seus braços. E aí o que faremos hoje nessa manhâ linda?

_Bem , sinto informar-lhe, mais eu tenho um compromisso só de garotas até as 14 horas, depois sou toda sua...

_E eu ja estou morrendo de ciúme dessas garotas! O que vocês farão que eu não posso estar junto?

_Bem vejamos, lá vai uma lista: depilação com cera quente,manicure , pedicure e cabelo num salão super-legal por conta da minha tia favorita, e sua puxa-saco que atendeu o telefone.

_É , estou esperando um monte de fofocas desse dia só de garotas, certo?
_Espero que sim, que graça teria sofrer na mão das sádicas esteticistas, se não valesse pelas fofocas atualizadas!

_E devo esperar que serei o tema principal dessa fofocas, certo?

_Hum, como ele é pretensioso e convencido! Amor, falando sério, foi demais da sua parte falar com meu pai, tudo de bom!

_Bem mocinha, é só andarmos nas regras que seu pai especificou, e teremos sua benção. Sair só de final de semana e sempre acompanhados; no máximo até as 23:00 hrs te trazer de volta para casa; e não baixar suas notas na escola.

_Você sabe que vamos quebrar uma por uma dessas regras, mas ter a aprovaçao do meu pai pra nosso namoro era o que eu mais queria. Depois que minha mãe morreu a opinião dele se tornou mais importante ainda pra mim; e eu sei que foi a primeira vez que você falou com um pai sobre namorar com sua filha; me sinto a garota mais feliz do mundo!

_No quesito felicidade, te garanto que estamos rigorosamente empatados. Meu bebêzinho, te vejo então às 15 horas na sua casa?

_Bebêzinho não, sou agora sua namorada!

_Ah desculpe! Então minha honorável namorada, as 15 horas, tudo bem pra você?

_Por que você nao vai me pegar no salão? É aquele novo e grandão  na avenida Julio buono perto do mercado, termino mais ou menos as 14:00.

_Ok, combinado, te amo!

_Te amo mais!

_Desliga você, da ultima vez fui eu...

_Quero ouvir um pouquinho mais a sua voz...

_Tá então eu vou desligar... Jaq você ainda está aí?
_Eu desligo...

E ficamos nessa até minhas fichas acabarem; o que não acabava era nosso amor. Pelo menos era isso que eu pensava naquele tempo.

Como devem se lembrar, no início eu disse que nossa turma era composta por 6 membros, mas de um certo ponto nessa história estou só me concentrando em 5: eu, Jaq,Jr,Sandra e Andrea; misteriosamente o Mauricio que não por coincidência era irmão caçula da Luciana não tem sido mais citado. Para ser exato desde um misterioso telefonema que recebeu dos pais na casa da Andrea ele meio que sumiu da história. Pois é , agora vou explicar o por que: nesse ultimo mês a dinâmica do nosso grupo mudou radicalmente; novos casais se fizeram (Jr e Sandra; eu e Jaq)e o garoto meio que foi se sentindo sobrando. Ele gradativamente parou de andar conosco, ou mesmo de retornar nossas ligações, e visto que era o mais novo membro da turma ( estava andando conosco apenas à uns 8 meses), sua ausência não foi muito sentida.

Na verdade desde o início ficou-se implicito que eu só o convidara para fazer parte do grupo, porque ele era irmão da garota que eu gostava. Quando meu interesse romântico mudou de foco ( da Luciana para a Jaq), eu já não fazia tanta questão da companhia do garoto; e visto que a turma sempre me vira como uma especie de líder, acabaram por imitar minha indiferença.

Mas o que você desconhece pode te destruir. Na verdade na cabeça do Mauricio, ele se afastara de nós por que não suportava o fato de me ver trocando olhares com a Jaq . Ele também estava apaixonado por ela, só era inseguro demais para admitir. E no último mês usara seu estado de solidão para grudar na irmã que era a mais baladeira da familia: Luciana.

Fôra a todos os barzinhos e baladas do momento, sempre na cola da irmã. Por razões obvias nunca lhe faltou carona ou companhia para ir nesses lugares. Havia simplesmente uma fila de espera de caras querendo convidar pra sair a garota mais hot do momento, e a maioria não se importava de levar o irmãozinho caçula mala de brinde.

Durante este período houve uma aproximação normal entre irmãos, e  Mauricio e Luciana passaram a trocar confidências. Fica aqui o registro de uma dessas conversas entre eles, que eu fiquei sabendo mais tarde:

_E aí era legal sair com a turma?Por que vocês não são mais amigos?_ perguntou de forma casual Luciana.

_Sim, por um tempo eu gostei, eramos todos iguais, mas agora com esse lançe de casalzinhos perdeu a graça. E eu tenho quase certeza absoluta, que eles nunca foram meus amigos de verdade._ respondeu um ressentido Mauricio.

_Por que você diz isso, todos eles sempre foram tão legais com você?

_É claro que eram, eu sou seu irmão não é verdade?

_E o que tem a ver você ser o meu irmão?

_Ser o irmão da amada do líder tem os seus privilégios.

_Isso é só boato, ele nunca se declarou pra mim, e olha que teve lá suas chances._ respondeu com falsa modestia  a destruidora de corações, Luciana.

_Meu até um cego percebia o jeito que ele ficava quando estava perto de você. A Andrea vivia dizendo que desejava um dia ser amada por um cara com a mesma intensidade que ele te amava... explicou a uma platéia um tanto interessada, Mauricio.

_É chato ser gostosa!_ brincou Luciana_Mas me conta mais: ele me ama tanto assim, mesmo?

_Não , você está conjugando o verbo no tempo errado, eu disse: ele te amava...

_Agora eu não estou entendendo: por que no passado; não ama mais?

_Você não está sabendo das ultimas novidades sobre a mafia? ( apelido jocoso dado a familia da Jaq, por ser unida e italiana)

_Não, faz tempo que eu não vejo a Jaq e seus irmãos.

_Quer uma dica? Procure na casa do seu ex-apaixonado, com certeza a Jaq vai estar lá. Só é uma questão de tempo para aqueles dois assumirem o namoro. À proposito eles já estavam no maior clima a um certo tempo.

_Verdade? Hum . bom saber..._ respondeu com um sorriso malicioso  Luciana

Agora um relatório de uma conversa telefônica entre a Luciana e a Andrea, na semana an terior ao meu pedido de namoro:

_Pôxa, eu não acredito que a gente esteja tanto tempo sem se ver. Precisamos combinar uma saída qualquer dia desses, não é mesmo?_ perguntou cheia de amistosidade a Luciana.

_Claro que sim, é só marcar; a gente se divertia muito quando saía juntas._ respondeu uma inocente Andrea.

_Eu só não quero atrapalhar suas outras amizades. Você sabe como ficam estranhas as coisas entre eu e seu melhor amigo...

_Pode ficar tranquila, ele não vai ligar da gente sair juntas.

_Não mesmo? Eu não quero jamais te separar da turma; a amizade entre vocês é tão forte.

_Isto é mesmo, embora no momento estou meio que sobrando, sabe como que é : ser vela de dois casais é barra! Acho que será bom sair um pouco sem eles.

_Pera aí: dois casais ? Não estou entendendo!_ exclamou surpresa , Luciana.

_Você nao está sabendo? O Jr e a Sandra já estão namorando à um mês, e o  nosso romantico amigo em comum vai pedir a Jaq para o pai dela na sexta. Precisa ver a paixão dos dois, que coisa linda!

Era só o que a Luciana precisava saber. Ela enrolou mais um pouco pra não dar na cara e encerrou a ligação com a promessa que iria novamente sair com a Andrea, na qualidade de únicas solteiras no momento. Pura balela, o jogo estava apenas começando, e a Luciana não era conhecida por atuar dentro das regras. E nem por perder.

Eu sempre tive uma fraqueza e qual o homem que pode dizer que não têm? Até hoje eu nao posso ver pernas bonitas. Sabe aquelas bem torneadas, que parecem esculpidas em mármore de tão perfeitas? Lisas, com côxas grossas sem nenhuma marca de imperfeição, são a minha parte preferida para se admirar no corpo de uma mulher.

A Luciana sabia disso, como só as garotas bonitas que são muito admiradas sempre sabem. Ela se divertia com meu jeito constrangido e minha clássica olhada de lado quando estava de saia curta perto de mim. E agora ela pretendia usar contra mim essa sua arma tão poderosa: Suas fantásticas e impossìvelmente lindas pernas! Se fôsse criar um Top Five de pernas das mulheres que conheci na vida , com certeza ela ficaria empatada em primeiro lugar com uma estrela de Hollywood.

Bem agora que admiti minha principal fraqueza da carne para vocês, vamos ao que interessa: o que isso tudo tem à ver com a minha história? Calma, eu juro que chego lá. Continuemos:

Voltei andando nas nuvens da minha pequena viagem à padaria pela manhã naquele sábado que prometia. A ligação pra Jaq, o fato do pai dela ter aceitado nosso namoro, até mesmo a poluição e o barulho usual das ruas de São Paulo; tudo me deixava feliz! Me desculpem, eu estava apaixonado, e era correspondido pela primeira vez na vida; tudo era como um sonho para mim!

_Olha só quem veio nos visitar: a irmã do seu amigo Mauricio! Me lembro quando ela ainda era desse tamanho... olha só que moça bonita ela se tornou, não é verdade filho? _ me perguntou toda alegre e inocente minha mãe que se encontrava na cozinha com, pasmem: Luciana!!!

Eu continuei estático na porta, enquanto numa manobra estudada nos mínimos detalhes, a Luciana arrastou sua cadeira para trás e ficou de frente para mim. Caramba, a minissaia jeans que ela usava era uma afronta aos bons costumes! E não deu pra evitar aquela rápida conferida que todo homem dá em uma garota bonita que se expõe. Ela sorriu com malícia, sabendo o efeito que aquela visão tinha sobre mim, e fez a pior das covardias que uma mulher como ela poderia fazer naquela circunstância: ela cruzou as pernas!!!!

Quase explodi o saquinho do leite de tanto que o apertava nas mãos.

_Não vai cumprimentar a garota ? Foi essa a educação que eu te dei, filho?!?

_Calma Dona Maria ele é timido, deixa que eu tomo a iniciativa !_ disse resoluta a perigeti, e  se levantando de repente me surpreendeu com um apertado abraço e beijo demorado no rosto. Detalhe: nunca fomos assim tão íntimos! Lembre-se estávamos nos anos 80, onde garotos e garotas eram bem mais reservados do que hoje em dia.

E nessa hora eu inconscientemente me afastei dela, pois me lembrei do rosto da Jaq e imaginei o que ela iria pensar se nos visse daquele jeito. A Luciana percebeu minha repulsão e soube nesse momento que a bola em jogo ( eu) estava no campo da adversária (Jaq). Mas não desistiu, apenas resolveu mudar de tática.

_Me desculpe, eu esqueci: agora você é um homem comprometido..._ e fingindo um certo constrangimento se afastou alguns passos de mim_ Devo estar te atrapalhando, não deveria ter vindo aqui assim sem avisar. Você pode me acompanhar até o portão por favor?

Toda frágil e insegura, acreditem uma atuação que merecia indicação ao Oscar de melhor atriz. E eu, que sempre fôra mais cavalheiro do que devia, mordi a isca:

_ Imagine, não está atrapalhando nada. Já que está aqui mesmo, toma um café com a gente.

E foi assim que começou a cadeia de eventos que levaria a tentativa de suicídio da Jaq : com um simples e inocente café da manhã compartilhado  com minha antiga paixão. Uma coisa devo admitir, a Luciana sabia ser extremamente charmosa e simpática quando precisava.

Naquela manhã ela se tornou o centro  das atenções na minha casa. Quando não estava brincando e fazendo piadas comigo dava uma atenção incrivel pra minha mãe. Depois do café se ofereceu pra ajudar minha mãe a lavar a louça e  conseguia ao mesmo tempo me entreter com uma conversa pra lá de espirituosa sobre as últimas novidades do mundo pop. Lógico que seu charme e seu papo não eram as únicas táticas que ela usava; sempre que podia dava um jeito de se abaixar pra guardar algum utensilio  nas gavetas inferiores do armário da cozinha.

E além da clássica abaixada (aquela que a garota está de costas para o cara), ela usou a mortal e milenar técnica de se abaixar de frente , dobrando os joelhos, ficando por um momento agachada sobre os proprios tornozelos, me proporcionando aquela visão aérea de suas maravilhosas coxas!

Em resumo, ela ficou por mais de 2 horas me torturando psicológicamente em minha propria residência, e nada pude fazer para impedi-la. Ela até aceitou ver o album que minha mãe teimava em mostrar para todas as nossas visitas: eu em minha tenra e nudista infância. Depois de se despedir da minha mãe, o que acreditem não era fácil( ela ficava segurando a mão das pessoas de uma forma um tanto constrangedora e demorada); olhou pra mim inocente e me dando um daqueles seus cativantes sorrisos, pediu:

_Você me acompanha até em casa por favor? Tem uns moleques na minha rua que ficam mexendo comigo, eu não sei por que...

_Acredite, eu meio que entendo eles..._ disse enquanto percorria seu corpo com meus olhos. Me arrependi logo em seguida, mas ela fingiu não perceber e dando um pulinho saiu do ultimo degrau de minha garagem alcançando a calçada.

Era estranho andar agora ao lado dela; embora mantinha uma distancia segura da mesma, me sentia culpado e invariavelmente olhava em volta procurando por algum rosto conhecido na rua. Por sorte não reconheci nenhum; não queria que fôssemos vistos juntos.Quando estávamos quase chegando à sua rua, minhas emoções ficaram abaladas, ao se lembrar do sonho que tivera naquele mesmo cenário.

_ Lu , você não me leva a mal se eu não continuar ? Eu não estou me sentindo muito bem, e acho que vou voltar para casa daqui... tudo bem?

_Mas claro, só quero que fique claro uma coisa entre nós.

_O quê?

_Continuamos amigos, ok?

_Claro, por que não.

Eu estava de costas, por isto não vi quem estava  do outro lado da rua indo para o salão de beleza onde a Jaq se arrumava: sua tia preferida. Mas a Luciana a tinha visto e maldosamente  colocou sua mão em meu ombro enquanto dizia:

_ Ah, amigo deixa eu me segurar em você enquanto arrumo o tênis que está saindo do meu pé!

Ficou de forma comprometedora, de frente pra mim olhando em meus olhos enquanto empinava sensualmente uma de suas pernas arrumando o calçado.

_Adivinha quem eu acabei de ver na avenida lá encima cheia de olhares e frescuras com o seu namorado? _ perguntou uma tagarela tia preocupada com a sobrinha quando chegou no salão.

A Jaq nada disse, mas seu olhar gelou na hora.

_ A tal de Luciana. Só me esclarece uma coisa: eles já não namoraram no passado?

_Não, ele só gostava dela pra caramba..._ respondeu uma pensativa e triste  Jaq.

_Calma não deve ser nada... você só pergunta pra ele quando vê-lo.

_Pode ter certeza que vou perguntar._ e ao dizer isso encerrou o assunto e ficou estranhamente calada pelo resto do dia.

_E aí Jaq o que tá pegando?_ perguntei quando cheguei no portão de sua casa e ela pela terceira vez repeliu um abraço meu, algumas horas depois.

_  Boa pergunta: quem está pegando quem, essa é a questão não é verdade?

_ Eu não estou entendendo, o que foi que eu fiz pra você ?

_Para mim nada, tenha certeza!

_Nada?!? Você chama de nada ficar mais de 3 horas convencendo seu pai de minhas sinceras intenções contigo?

_Quão sinceras, esta é  minha dúvida, por que você não me esclarece?

_ Super-sinceras, e voce sabe disso muito bem !!!

_Então vamos lá , te dando uma última chance, para provar essa tal sinceridade: te perguntei quando chegou no salão pra me buscar, se tinha algo pra me contar, você disse que não; ainda mantêm essa negativa?

Pensei por um instante antes de responder. Sabia do ciúme que ela tinha da Luciana e não queria brigar à toa agora que estávamos numa boa. Caramba, não havia acontecido nada demais, e tomei uma das piores decisões da minha vida, menti:
_Não , nada de novo, acredite.

Ela se virou de costas pra mim e sentenciou com voz abafada:

_Acho melhor a gente dar um tempo...

_Você está brincando comigo, não é verdade? Não faz nem 24 horas que estamos namorando oficialmente, e você já quer terminar?!?

_Eu não falei em terminar... apenas dar um tempo para ver o que realmente sentimos um pelo outro._ disse ela se virando abruptamente quando ouviu a palavra “terminar”. Seus lindos olhos azuis estavam brilhando e eu percebia que ela fazia uma força incrivel para não chorar.

_Nem eu quero. Meu Deus eu te amo tanto!_ eu disse enquanto a abraçava , mesmo tendo que lutar contra sua resistencia.

_Por favor, nao deixe as coisas mais dificeis do que já estão! Me solta..._ suplicava ela enquanto tentava fugir dos meus braços.

_Não, eu não vou te soltar. Olha pra mim e diz na minha cara que você não quer mais ficar comigo! Vamos diz...

_Eu não quero ficar com voce!_ela murmurou em um fio de voz enquanto evitava meu olhar; as primeiras lágrimas já escorrendo pelo seu lindo rosto.

Eu simplesmente usando de minha força superior, levantei seu queixo e beijei seus lábios. Mas ela não correspondeu .

_Não, pára por favor! Está doendo muito, eu não aguento mais!_ dizia enquanto de forma desesperada colocava suas frágeis mãos no proprio peito e começava a soluçar. Eu nunca passara por uma situação igual com uma garota e simplesmente não sabia o que fazer; atônito, por uma fração de segundos afrouxei o abraço e ela escapou de mim, entrando rapidamente em seu quintal e puxando o portão. Eu segurei no mesmo como se fôsse as grades de uma prisão e com voz embargada, disse:
_Por favor não vá, sem você nada mais tem sentido!

_ Se você tem realmente um sentimento por mim, por favor me deixe agora sozinha, eu preciso pensar, e perto de você minha cabeça não funciona direito!

_Só se você jurar que nós vamos conversar ainda hoje quando você estiver mais calma.

_Ok ! Me liga a noite depois das nove, tudo bem?

_Sim eu te ligo. Antes de ir embora só quero deixar uma coisa bem clara: “eu te amo e não vou desistir de você tão fácil!”

Ela prestou a maior atenção nas minhas últimas palavras e depois me olhou do jeito mais triste e profundo que uma garota podia olhar. Sua mão talvez num reflexo inconsciente acariciou a minha que estava na grade de seu portão. Foi a última vez que ela me olhou desse jeito e que eu senti seu delicado toque em minha pele. Pelo menos nesse mundo.

(2012)

O que eu me lembro daquele momento, e ainda me faz chorar nas longas noites solitárias, 25 anos depois? Me lembro dela descendo as escadas para a sua casa, que ficava num nível inferior à rua, sumindo pouco à pouco: primeiro suas costas e por último seu louro cabelo. Torci para que ela olhasse para trás... mas ela não olhou. E é isso que me atormenta até hoje: ela não olhou!

Ela deixou um bilhete para mim, e até hoje eu o guardo em meus pertences pessoais. Nesse bilhete ela me disse que até pensou em me perdoar pela mentira inicial, afinal de contas nada demais parecia ter acontecido;mas aí ela recebeu um telefonema que mudou completamente essa sua idéia. A Luciana ligou só pra deixar um recado para mim, sobre um disco que eu prometera aquela manhã emprestar, e quando a Jaq lhe perguntou se ela sabia que estávamos namorando ela contra-argumentou:

_E como foi que ele te conquistou. Usou o mesmo truque de sempre, contando os dias , horas e minutos que não te via no seu relógio de pulso?

E isso a magoara mais que tudo : a intimidade que parecia existir entre eu e a Luciana. Ela não queria ser sempre uma sombra do real e grande amor da minha vida, a Luciana, segundo ela. Por isso ela preferia ser apenas uma memória na minha vida, um sonho bom que não se realizara. O pior é que ela se despedia como se apenas fôsse dormir , isso eu não conseguia entender.

(1987)

_ Cara, você precisa ir pra casa dormir, sei lá tomar um banho ou comer alguma coisa; vamos eu te dou uma carona._ tentava me convencer de abandonar minha vigilia na sala de espera do Hospital das Clinicas, 12 horas após a internação da Jaq, o meu dedicado e preocupado amigo Jr.

_Não , estou bem obrigado. Vou ficar até ela acordar, isso já aconteceu vocês sabem muito bem o que estou falando._ respondi resoluto.

Nesse momento a Andrea e a Sandra entraram na sala e ficaram meio assustadas ao me ver ali.

_Meu, você ainda está aqui? Tem que ir embora, logo chegará aquela tia da Jaq que te culpa pelo que aconteceu, o clima vai pesar._ explicou Andrea.

_Vocês não entendem mesmo... eu não vou embora enquanto ela não acordar. O médico foi bem claro, a dose que ela tomou não lhe causou nenhum dano permanente no cérebro, ela pode acordar à qualquer momento!

_Ou nunca... sejamos realistas!_ vaticinou Sandra.

_Você nunca gostou dela mesmo, não é verdade? Cale sua boca se não tiver nada de útil pra falar!_ respondi com raiva.

_ Ei, não vamos brigar, ok? Estamos aqui pela Jaq e por você, somos amigos para o que der e vier, lembram-se?_ contemporizou Andrea, enquanto se aproximava de mim e me afagava com carinho os cabelos. Eu continuava sentado com a cabeça apoiada sobre as mãos, desolado fitando o chão do hospital. Estava muito abalado com os ultimos acontecimentos  e a tensão me impedia de me concentrar ou mesmo adormecer. Já tinha um plano formulado em mente: de novo tentar resgatar a Jaq de um possível sonho ruim onde ela estivesse presa. Só temia a reação dela quando me visse ; será que ela nunca me perdoaria?

Me retirei diplomaticamente da sala quando vi a familia da Jaq chegando; fui tomar um café na cantina do primeiro andar, embora mais tarde soubera por terceiros que o pai dela me admirava pela dedicação em esperar a recuperação da garota. As horas se arrastavam naquele longo e triste domingo, e eu me preparava para passar mais uma noite no hospital. O primo do Jr que era da administração deixou eu tomar uma ducha no banheiro  dos funcionarios e o Jr foi na minha casa e trouxe umas roupas para mim. Quando era quase meia-noite entrei no quarto onde minha amada estava, me aproximei de sua cama e como sempre peguei sua mão delicada entre as minhas e com o maior carinho lhe dei um suave beijo nos lábios.

_Sei que você pode não estar me ouvindo, mas no fundo do meu coração acredito que esteja; eu só queria que você me perdoasse por não ter te amado como você merecia, e juro que se me der mais uma chance serei o melhor namorado do mundo. Basta você acordar, com aquele seu sorriso maroto, dizendo que só estava brincando conosco e não intencionava fazer nada de mais sério. Por favor, acorde Jaq, volta pra mim... eu te amo! Não me sinto vivo sem você... por favor... por favor...

Nesse momento a tia dela que estava na porta nos observando se emocionou e se adiantando me abraçou enquanto eu chorava em silêncio no seu ombro. Ela nunca mais me culpou por nada do que havia acontecido e foi uma das testemunhas oculares do meu sofrimento na longa espera pelo despertar da garota que amava.

Naquele final de março instaurei minha rotina pessoal que não pretendia alterar de forma alguma. Dormia em casa de segunda à sexta devido aos compromissos ( trabalho e escola), porém passava no mínimo 2 horas por dia ao lado do leito de Jaq. Perdi a conta de quantas vezes voltei no ultimo ônibus da linha 177C JD Brasil-Clinicas, para casa. Nos finais de semana eu ficava a maior parte do tempo no hospital, mesmo fora dos horários de visita, cortesia do primo do Jr. Certa vez bati um recorde : 36 horas consecutivas nas dependências do hospital, a maior parte delas no quarto de Jaq, o resto vagando como um fantasma pelos compridos e solitários corredores do complexo. Gastava quase todo meu salário comendo na lanchonete do hospital. Nas horas mais calmas da noite tentava inutilmente me conectar ao sonho que porventura a Jaq estivesse tendo; e por não conseguir já duvidava sobre a veracidade do que havia acontecido da primeira vez que ela entrara em coma. De repente tudo aquilo que sonhara não havia acontecido realmente: o abismo, meu super-poder de vôo, o estranho de olhos vermelhos...

E quando já fazia um mês que a Jaq estava inconsciente no hospital, ela teve uma visita que se estivesse acordada não iria curtir muito : Luciana, rainha dos caras-de-pau.Havia saído um pouco do quarto para dar uma volta e tomar um ar lá fora, e qual foi minha surpresa quando à encontrei sentada junto ao leito da minha garotinha, com expressão de preocupada.

_ Mina, o que você está fazendo aqui?!?

_Calma, eu antes pedi permissão para o pai da Jaq e o irmão mais velho se podia visita-la e eles me deram autorização; meu nome está na lista lá na recepção, pode confirmar se quiser...

_Isso não tem nada a ver, que lista o caramba! Se você tivesse um pingo de vergonha na cara jamais apareceria aqui ! Ambos somos culpados por ela tentar se matar, e algo me diz que depois daquele maldito telefonema seu ela tenha tomado a decisão final...

_E você acha que eu não penso nisso todas as noites e perco meu sono? Pô cara não me orgulho do que fiz, mas não esperava tais consequências fatais.

_E o que você esperava Luciana ? A Jaq te chamar para um passeio no shopping à três, ou quem sabe a gente formar um daqueles ridículos triângulos amorosos que só funcionam nos romances água-com-açúcar da revista Sabrina?

_ Nossa , como você de repente ficou cruel e cínico ao falar de sentimentos! Onde está aquele cara todo romântico e sonhador que conhecemos?

_ Inconsciente, junto com a garota que eu amo ! O que restou de mim é essa casca vazia cheia de amargura e remorso, graças à você e seus estúpidos joguinhos!

_ Que engraçado...você se tornou esse cara frio em apenas um ou dois meses gostando da Jaqueline, mas antes disso era o melhor cara que eu conheci durante os dois anos que gostou de mim!

Ela conseguiu me calar, que era sempre o que ela conseguia, seja pela sua presença (quando eu estava apaixonado por ela) ou por ter facilidade em colocar em palavras o que eu simplesmente sentia  ( apaixonado pela Jaq).Saí do quarto e esperei pacientemente pelo fim do horário de visita; quando ela passou por mim no corredor em direçâo ao elevador parou ao meu lado e me disse:

_Por favor me perdoe, pelo que fiz à você e a Jaq. Pense que sou apenas uma adolescente que acreditava que no amor e na guerra valia tudo; não acredito mais...

E saiu de cabeça baixa pelo corredor, e só para ser justo com a garota ela também não olhou nenhuma vez para trás. Foi embora me deixando absorto e perdido em mil pensamentos e emoções contraditórias.

_Ah Jaq, você precisa acordar logo, meu amor e me tirar dessa confusão toda!_ falei em voz alta  e não obtive resposta.

 

Me desculpem os leitores mais impacientes que desejam logo respostas e a conclusão dessa história maluca, mas me vejo na obrigação de agora dar uma pausa para explicar algumas coisas sobre o amor e a vida:

Primeiro, vamos nos concentrar nessas questões universais : o que é o amor ? Ele é a mesma coisa pra homens e mulheres, ou há duas versões?Senão por que é tão dificil ficar junto com a pessoa que ama sempre na mesma sintonia?

Bem , nos meus devaneios pessoais sobre essas questões sentimentais, sempre me vêm a mente uma frase que não sei de quem é a autoria original, mas resume muito bem o que quero passar pra vocês: “O sonho de todo homem é ser o primeiro na vida de uma mulher; e o sonho de toda mulher é ser a última na vida de seu homem”.

Que pequena pérola de sabedoria popular, não é mesmo? Vai admita apesar de todo feminismo e suposta liberação moral que permeia nosso mundo moderno, embora a virgindade não seja mais um pré-requisito para uma garota, ainda se trata de algo muito importante e valorizado. Não me deixa mentir as grandes sagas românticas da atualidade que sempre tem um lugar-comum: garota virgem e inocente de 17 anos encontra cara mais velho e misterioso, se apaixonam quase que à primeira vista, porém leva um tempo pra irem para cama e quando consumam  o seu amor a garota se torna eternamente dependente dessa relação. É ou não o sonho de todos nós elevados à enésima potência? E me digam por que nas telenovelas até hoje invariavelmente a mocinha é virgem e boazinha e aguenta tudo com resignação enquanto espera por seu amado ? Por que nos filmes de terror a primeira garota a morrer é sempre a promiscua ( quase sempre loira, nos filmes americanos),e a que chega até o final com vida e as vezes ainda vence o vilão sobrenatural é casta e inocente?

Calma, não estou querendo ser o dono da verdade e nem impor minhas idéias, mas pense: a literatura e o cinema como principais mídias de hoje nos apresentam o amor dessa forma com essas regras ímplicitas, será que não há um fundo de verdade em tudo isso?

Agora vou entrar em outra questão polêmica e talvez ser mais sincero que qualquer homem antes de mim que se atreveu a falar de sentimento... sim digo “ se atreveu” porque nossa sociedade ainda condena o homem que fala de seus sentimentos mais íntimos em público, como se isso fosse apenas direito das mulheres. Um homem se apaixona pra valer apenas algumas vezes em sua vida, não raro pela primeira namorada ou melhor amiga na adolescência; e depois quando está mais maduro pela mulher que se tiver sorte será sua esposa. Já o desejo é uma maldição constante e diária na vida de um homem : desejamos aquela vizinha gostosa que gosta de lavar o quintal de shortinho; a estagiária de minissaia que trabalha conosco no escritório;a melhor amiga de sua mulher que têm muita liberdade de ir e vir dentro de sua casa, sempre com menos pano pra cobrir o corpo do que deveria. Sim eu sei dói saber isso, no caso de vocês mulheres que estão apaixonadas, mas é a mais pura verdade; se trata de nossa natureza predatória e instintiva, fazer o quê? Por outro lado fiquem tranquilas , porque se o homem que está ao seu lado realmente te ama ele resistirá as tentações da carne, porque se há algo que o homem apaixonado mais teme é a idéia de perder sua amada. Não suportamos a idéia de viver sem vocês mulheres, quando realmente a amamos, isto é fato. E vamos fazer o impossível para sempre agrada-las.

Outra coisa que aprendi à duras penas em minha vasta experiência com amores e sentimentos afins: vocês sabem por que a maioria de nós homens, eu digo a maioria absoluta, parece perder o interesse ou diminuir a intensidade da paixão após consumirem o ato fisicamente? A resposta à essa questão importante e que mexe tanto com a cabeça de vocês, minhas queridas leitoras, se encontra na propria pergunta. Concentrem-se na palavra “fisicamente”, que eu não usei por acaso. Sim o amor para nós homens começa na cabeça, é idealizado, perfeito e infelizmente quase sempre impraticável na vida real...é isso mesmo que estão pensando: enquanto imaginamos vocês em nossa mente entorpecida pela paixão, vocês são perfeitas e muito desejáveis em consequência disso; mas na vida real, percebemos que tem defeitos assim como nós, também são seres humanos falíveis... e aí perdemos o encanto.

Mas não se desesperem, porque quando sentimos sua falta e tememos pelo fim precoce do amor, ficamos ainda mais apaixonados e a nossa entrega se torna mais completa então!!!

Entenderam, nada de ficar no pé; nós gostamos de sentir saudades quando estamos amando uma mulher, nos dêem esse espaço e nos terão sempre aos seus pés. Finjam apenas que podem ir embora, que ficaremos loucos com essa possibilidade!

E o mais importante dessa dissertação ou analogia do amor perfeito, como preferirem, meus caros e fiéis leitores : quer sejam homens ou mulheres, amem, se entreguem pelo menos uma vez na vida totalmente a esse sentimento maravilhoso e intrigante; vivam cada dia como se fosse o seu último (um dia vocês acertam!, desculpe brincadeirinha), amem e principalmente  permitam que outros te amem, porque isso é o que realmente vale a pena; isto é o que significa estar vivo no pleno sentido da palavra!!!!!!

É fácil ser mais um no meio do nada aceitando tudo, do que lutar por tudo que vale a pena, correndo o risco de acabar sem nada.

 

(2012)

 

Alguns meses haviam se passado desde minha viagem ao passado e o fatídico encontro com meu alter-ego mais jovem e apesar de criar uma nova linha temporal e alterar  alguns acontecimentos ( no meu novo futuro alternativo a Luciana não ficava comigo e por conseqüência não morria naquele acidente de 1997), o futuro do mundo continuava negro e apocalíptico.

Apenas alguns desdobramentos do fim do mundo haviam sido modificados: ao invés de um mundo caótico e com áreas instáveis onde o tecido da realidade era rasgado e as leis da Física nada significavam ( causados pela explosão do maior acelerador de partículas do planeta: o CERN), tínhamos agora um mundo assolado por um vírus que dizimara um terço da população terrestre. Os sobreviventes, 99% deles, segundo estimativas científicas se tornaram zumbis canibais que só morriam quando tinham o cérebro esmagado. O 1% restante, dos quais com certeza eu fazia parte, viviam em pequenas e fortificadas comunidades onde o alimento era estocado e fontes alternativas de energia limpa eram testadas. Sim porque além de nossos óbvios problemas com os zumbis que nos caçavam como animais, havia o fato de as linhas de produção e transporte de petróleo serem paralisadas; os governos desestabilizados foram derrubados e o sistema conforme o conhecíamos antes entrou em colapso.

Por que isto tudo ainda acontecera, visto que eu impedira o meu primeiro amor de acontecer no passado? Com o uso de uma nova tecnologia  que permitia se conectar diretamente ao Fluxo Universal  do Inconsciente Coletivo.

Segundo Carl Gustav Jung inconsciente coletivo é um reservatório de imagens latentes, chamadas de arquétipos ou imagens primordiais, que cada pessoa herda de seus ancestrais. A pessoa não se lembra das imagens de forma consciente (mas em forma de sonhos), porém, herda uma predisposição para reagir ao mundo da forma que seus ancestrais faziam. Sendo assim, a teoria estabelece que o ser humano nasce com muitas predisposições para pensar, entender e agir de certas formas. Por exemplo, o medo de cobras pode ser transmitido através do inconsciente coletivo, criando uma predisposição para que uma pessoa tema as cobras. No primeiro contato com uma cobra, a pessoa pode ficar aterrorizada, sem ter tido uma experiência pessoal que causasse tal medo, e sim derivando o pavor do inconsciente coletivo. Mas nem sempre as predisposições presentes no inconsciente coletivo se manifestam tão facilmente.

Os arquétipos presentes no inconsciente coletivo são universais e idênticos em todos os indivíduos. Estes se manifestam simbolicamente em religiões, mitos, contos de fadas e fantasias. Entre os principais arquétipos estão os conceitos de nascimento, morte, sol, lua, fogo, poder e mãe. Após o nascimento, essas imagens preconcebidas são desenvolvidas e moldadas conforme as experiências do indivíduo.  Por exemplo: toda criança nasce com o arquétipo da mãe, uma imagem pré-formada de uma mãe ( na verdade sonhamos ainda no útero), e à medida que esta criança presencia, vê e interage com a mãe, desenvolve-se então uma imagem definitiva.

Em outras palavras mais leigas o ser humano do novo século XXI pode viajar ao passado usando os sonhos das pessoas. Nesta realidade meu nêmesis: o Mestre, voltou ao passado invadindo a mente de meu alter-ego descobriu que seu foco amoroso havia mudado e manipulou a situação criando uma armadilha no sonho do eu mais jovem. Ele descobriu a forte ligação que havia entre duas pessoas que estão sintonizadas pelo amor mútuo, e capturando a minha nova musa adolescente lhe deu um comando hipnótico, um gatilho sensorial subliminar que só seria disparado quando houvesse uma ruptura grave em nosso relacionamento no mundo desperto, algo que causasse uma momentânea falha em nossa perfeita sintonia mental. Quando isso acontecesse,( e se tratando de um clássico caso de paixão adolescente como não poderia deixar de acontecer?); a garota tomaria pílulas para dormir e ficaria nesse estado para sempre, e acreditem nem mesmo o beijo de um principe encantado a faria acordar pois não se tratava de um simples conto de fadas do tipo “e viveram felizes para sempre...”

Como era de se esperar o meu eu mais jovem e não menos estúpido, entrou numa corrida sem volta para descobrir uma maneira de acordar seu grande amor. Primeiro tentei apenas entrar no sonho dela aproveitando a sintonia que tínhamos (lembrem-se que eu conseguira isso na primeira vez que ela foi capturada no sonho); mas logo percebi que havia perdido essa conexão especial e passei a procurar todos os meios possíveis e impossíveis para desperta-la.

Em 1997 ( sim ,que ano maldito não é verdade?) criei um pulso eletromagnético num laboratório da Caltech nos USA, onde tinha conseguido uma bolsa de estudos, de tal magnitude que todos que usavam aparelhos celulares no mundo naquele momento tiveram seus cérebros reiniciados se transformaram nos tais zumbis canibais perdendo totalmente a humanidade e traços de civilização; sobrou neles apenas a fome e o instinto de sobrevivência. Mais de um bilhão de zumbis, eis o saldo de minha tentativa de acordar a mulher que amava e já estava inconsciente por 10 anos. Por sua vez não pensem que eu fui o único a mandar o mundo para o ralo, pois a comunidade científica tentando exterminar esses zumbis criou um super-vírus que dizimou um terço da humanidade sã nos 5 anos seguintes. Já os zumbis não só se mostraram resistentes as armas químicas e biológicas como também extremamente competentes em se multiplicar, pois todos mordidos por eles se transformavam em novos e famintos zumbis canibais e a pirâmide sempre aumentava. Agora nos aproximamos do fim do ano de 2012 e apenas 1% da raça humana ainda pode ser chamada de humana. Eu faço parte desses sobreviventes... o problema é que o Mestre está liderando o exército inimigo visto que ele é uma nova espécie de ser : um híbrido de zumbi-homem com as maiores forças e fraquezas de ambas as espécies: a inteligência e a fome insaciável.Na verdade ele se auto-infectou deixando um zumbi mordê-lo porém usando um poderoso antídoto para impedir a completa transformação.

Ele se antecipou a mim e entrou pela primeira vez no meu sonho no passado, causando toda essa confusão; cabe a mim usando os mesmos recursos corrigir os meus erros do passado e impedir esse futuro caótico para a humanidade.

(1987)

_Como é que ele está?_ perguntou uma preocupada Andrea antes de entrar em minha casa.

_Bem num belo sábado desse, ouvindo Legião Urbana, sozinho no quarto e olhando para o teto ainda nem se barbeou essa semana... diria que está na mesma dos últimos sete ou oito meses, desde que a Jaq se tornou a Bela adormecida._ respondeu Junior que havia chegado mais cedo. Naquele dia havíamos combinado de ir todos juntos ao hospital visitar a loirinha.

Sandra que estava no colo de Junior lhe deu um tapinha de advertência no ombro:

_Nossa quanta sensibilidade com a amada de seu amigo! Já está até apelidando a coitadinha...

_Ai, não me bate! Meu, não dá mais pra ficar fazendo cara de drama toda vez que falamos da Jaqueline. Tudo bem a história foi triste, mas caramba quantas meninas que a gente conhece tentam se matar só porque tiveram uma crise no namoro?! Na moral, eu acho que meu amigo tem que aceitar o inevitável e dar continuidade à sua vida, entendem: bola pra frente, a fila anda...

_E com certeza esse seu desabafo de melhor amigo não teria nada a ver com o fato da Luciana se tornar figurinha fácil no Hospital nesses últimos seis meses... sabe como que é ela toda solícita querendo oferecer o ombrinho sempre pouco vestido, para nosso amigo e seu ex-admirador chorar sua solidão!_ falou com tom de malícia a bela morena namorada de Junior.

_ Não gente o pior é ela ter se convidado pra ir junto com a gente no Minamóvel! Pô, nada a ver! Ela nunca foi parte de nossa turma e agora quer ficar colada conosco._ completou Andrea.

_ Pois diferente de vocês garotas, eu que não tenho inveja e nem ciúme bobo dela, acho que só ela mesmo poderia tirar o cara dessa fossa profunda que ele está. Caraca, eu tenho quase certeza que a Jaq não acorda mais!

_Lógico que isso não tem nada a ver com as pernas que ela sempre cruza quando tem homem por perto não é verdade? Com certeza você não se abala com esses  truques baratos de garota, e sua opinião só está baseada na solidariedade repentina que ela está demonstrando pelo nosso amigo, não é verdade?!_ encerrou com maestria o debate a cínica porém observadora Sandra.

_ E aí gente, massa? Vamos nessa?_ falei quando cheguei no portão da minha garagem; fingi não perceber o constrangimento da turma que mudou de assunto quando eu cheguei. Nosso relacionamento estava mesmo estranho nos últimos meses, mas eu dava um desconto pra eles; após o coma da Jaq eu ficara fechado e introspectivo, e mesmo assim eles continuavam sendo meus melhores amigos. Mas ninguém havia me surpreendido mais nessa fase terrível que estava passando, que a Luciana. A sua transformação de uma garota vamp e devoradora de homens para uma amiga solidária e menina simples que fica do meu lado sempre quando eu preciso de alguém pra desabafar. Até mesmo nos dias mais negros quando eu fico calado e me tranco dentro de mim mesmo, ela estoicamente me agüentou e ficou ali segurando minha mão e respeitando o silêncio.

De todas as garotas que conhecia ela era a que eu menos esperava tanta prova de amizade e altruísmo. Já superara aquela impressão inicial de que ela estava apenas jogando comigo, percebia agora que sua preocupação comigo era sincera; e o seu remorso pela sua contribuição ao ato desesperado da Jaq também era genuíno. Nunca nem mesmo por uma única vez ela julgou a Jaq por ter tentado tirar a própria vida; ela nunca questionou sobre esse assunto que sempre foi um tabu: tentativa de suicídio. Alguns parentes próximos da Jaq já criticavam de forma velada a sua ação desesperada em nome de uma mera paixão adolescente. Eles não entendiam nada! O nosso amor não era algo comum e corriqueiro, pra mim significava a coisa mais importante do mundo e pra Jaq era maior que sua vontade de viver.

Estávamos mais juntos agora do que antes, e isso não deixava de ser irônico. Passava mais horas com ela do que qualquer outra pessoa; a Jaq se tornara o sol de minha galáxia e eu um mero planeta solitário orbitando ao seu redor. Mas a Luciana pouco a pouco, conseguiu fazer parte desse nosso universo exclusivo; pode-se compara-la  a lua que embora não tenha o mesmo brilho ou calor do sol também orbita em volta de nosso planeta azul e têm um importante papel no controle dos oceanos e maré. Nessa analogia astronômica a Luciana controlava o fluxo de minhas fortes emoções de desamparo e tristeza com o estado de minha musa adormecida, ela me dava um suporte emocional fantástico e já começava a inclui-la na rotina de minha triste vida. Na verdade não imaginava pra mim uma vida sem a Jaq e a Luciana incluídas, e isso estava me deixando numa situação extremamente perigosa para um garoto de 15 anos. Minha vida congelara e até a Luciana parara momentaneamente com suas baladas e namoros superficiais. Vivíamos pela Jaq, enquanto ela tentara morrer por nossa causa.

_Sem problemas pessoal de passar na Luciana, pra ela ir junto conosco no Hospital?_perguntei com um certo receio de receber uma resposta negativa dos meus mais antigos amigos.

_Quê isso cara? Claro que não, sabemos o quanto ela tem sido companheira nesse seu momento difícil!_ respondeu prontamente Junior, e com gestos de concordância das garotas seguimos sem mais demora para a visita à nossa pequena princesa adormecida, Jaqueline.

No hospital, quando a Luciana finalmente se desgrudou de mim e saindo do quarto da Jaq se dirigiu ao banheiro, discretamente Andrea e Sandra a seguiram.

_E aí que tal abrir o jogo; qual é a sua dando uma de melhor amiga? Só ele não percebe as suas reais intenções, mas cá pra nós ser apenas uma amiga nunca foi seu forte, não é mesmo?_ foi direto ao ponto, Sandra, enquanto Andrea que tinha mais tato cutucava a morena para ver se a calava.

_Eu entendo vocês garotas, desconfiando de minhas intenções. Realmente no começo era apenas um jogo para mim: quem tinha mais poder de atração, eu ou a Jaq; e convenhamos num raio de alguns quilômetros ela era a única com potencial para roubar a minha popularidade com os garotos( aqui não há lugar para falsa modéstia). Mas convivendo com ele nesses mais de seis meses eu percebi o quanto havia perdido; não sei se foi o seu sofrimento estóico em espera à seu grande amor, sua incondicional fidelidade aos seus ideais, por mais antiquado que isso seja, ou simplesmente o jeito que ele olha pra ela, e parece nesse momento se desligar totalmente do mundo exterior e criar um vínculo perfeito entre duas pessoas que a gente só vê nos filmes. Sabe que às vezes durante o fim-de-semana ele não dorme e fica no quarto dela velando pelo seu sono... uma enfermeira do turno da noite que um dia estava trocando de turno com uma colega, me viu no corredor e contou isso. Ela disse que nas primeiras noites ela estranhara o comportamento do garoto solitário (é o apelido dado a ele pelo pessoal do hospital) e o expulsara do quarto. Sabe como que é: situações com garotos adolescentes num quarto em que suas belas namoradas estão inconscientes e totalmente a mercê da sorte, quase sempre acabam em sacanagem..., mas ela então percebera que ele era diferente dos outros garotos de sua idade, incapaz de se aproveitar de uma situação dessa maneira; ele somente à amava e queria estar do lado dela (da Jaq) e quem sabe talvez adormecer sentado na cadeira ao lado da cama, segurando a mão de sua amada. Isso é o que a velha e romântica enfermeira disse, com lágrimas nos olhos, sem nem mesmo conhecer muito bem nosso amigo, ela já confiava em deixá-lo sozinho a noite inteira com sua amada. Nós conhecemos ele já há um bom tempo, no seu caso Andrea, praticamente a vida inteira; e eu pergunto: quem de nós garotas jamais sonhou com um amor desse , incondicional e eterno? O ponto é que eu percebi que tinha perdido a minha oportunidade de ter esse tipo de amor, quando não fiz caso dos sentimentos que ele nutriu por mim nos últimos dois anos; e o mais irônico é que a garota que agora possui esse amor não pode retribui-lo... e mesmo dormindo ( eu também acho que ela não vai mais acordar), no coração dele ela está mais viva que qualquer uma de nós... ela sempre será a única, e eu apenas uma vaga lembrança do passado.

Andrea que era meio manteiga derretida, já estava com os olhos marejados depois desse profundo desabafo da outrora fria e calculista Luciana. Até a Sandra que sempre foi a mais durona e cínica do grupo, ficou calada e não conseguiu dar uma resposta espertinha a essa confissão da bela loira. Criou-se um círculo mágico entre aquelas garotas naquele momento, quando todas resolveram guardar segredo desse novo sentimento impossível que brotara no coração de Luciana. Ninguém, principalmente eu, deveria ter conhecimento de tal segredo.

Bem não é necessário dizer, que com o tempo eu fiquei sabendo, afinal de contas eu estou narrando essa história em primeira mão pra vocês, meus caros e inteligentes leitores! Uma delas acabou quebrando esse círculo e me revelou o segredo na hora de sua morte trágica, em forma de últimas palavras (mas isso já é outra história, prometo que conto algum dia).

O que nenhuma delas sabia, naquele fatídico sábado de visita ao hospital; e eu descobriria mais tarde naquele mesmo dia; era que a amizade forjada naquele círculo para manter em segredo o amor de Luciana tinha poderes realmente mágicos: no caso,suficientes para me mandar em peregrinação pelo perigoso e sombrio mundo dos sonhos, onde a Jaq se encontrava aprisionada. E como vocês já devem ter sacado, somente um cara poderia ir nessa jornada, eu o mergulhador sem medo das águas profundas do amor eterno!

_Parece que vai chover de novo!_ reclamou Junior enquanto olhava pela janela do quarto onde Jaq estava internada.

E realmente o tempo estava mudando radicalmente e já era possível visualizar um céu carregado de nuvens que prenunciavam uma terrível tempestade. Eu desanimado e perdido em pensamentos, apenas concordei acenando com a cabeça, enquanto continuava afagando os cabelos de minha princesa adormecida.

_Você não está muito falante hoje, hein? E a propósito, aproveitando que as meninas saíram para dar uma volta e colocar as fofocas em dia; me esclarece só uma coisa, de melhor amigo para outro: o que está rolando entre você e a Lu?

_Nada cara, e se você realmente fosse um amigo não me perguntaria isto. Pô cara o que eu preciso fazer mais para provar para vocês todos que eu amo a Jaq e não outra pessoa?

_Hum, quer dizer que eu não sou o único a notar o climão entre vocês?

_Não sei de que climão,você está falando; mas a Andrea também me disse na semana passada por telefone algo a esse respeito. Logo vocês dois que eu sempre considerei como meus melhores amigos...

_E somos mesmo, inclusive essa percepção que temos do que está rolando entre você e a Luciana é uma prova que te conhecemos pra caramba! Não tente se esconder atrás do fato de que sua namorada está desacordada, isso não cola pra mim. Todos sabemos o quanto você gostava da Luciana antes de tudo mudar e a Jaq atravessar sua vida como um meteoro. Mas agora você tem que encarar a verdade: a mudança de atitude da Lu é massa e se a Jaq não acordar ninguém pode culpar vocês dois de ficarem juntos; cara só pode ser destino!

Como era de se esperar, o Junior que não tinha nenhum tato resumiu em poucas palavras a enorme encruzilhada sentimental em que eu me encontrava; continuar a esperar a Jaq acordar ou encarar um novo relacionamento com a Lu?

Mas eu não ia dar o meu braço a torcer tão facilmente, e saí do quarto com uma expressão furiosa no rosto, enquanto deixava meu melhor amigo sem-graça após seu arroubo de sinceridade. Segui a esmo pelo longo corredor da ala de quartos particulares do Hospital das Clinicas, e ao chegar enfrente aos elevadores entrei impetuosamente na primeira porta automática que se abriu.Quando observei com atenção o painel  interno do elevador que havia tomado, qual não foi a minha surpresa, quando abaixo do botão marcado como térreo, havia um outro bem maior e com cor destacada que tinha por legenda:”mundo dos sonhos”. Não hesitei por um instante, e o apertei com a convicção de que iria para aquela dimensão onde a Jaq ficara presa por longos 8 meses. Na verdade eu e o Junior nunca tivemos a tal conversa sincera sobre meus sentimentos duplos pelas duas loiras ( a acordada e a adormecida); eu havia caído no sono logo que as garotas saíram do quarto e foram ao banheiro, e sem saber com suas confidências me mandaram num elevador expresso para a dimensão dos sonhos!

(mundo dos sonhos)

Durante todo o trajeto senti constantes mudanças de pontos de gravidade, como se o elevador além de percorrer o túnel vertical também fosse impulsionado no sentido horizontal e até diagonal, como no mundo real jamais seria possível.Estava ansioso para voltar aquela dimensão onde as leis da Física podiam ser quebradas e instintivamente sabia que dessa vez seria mais difícil que da última visto que o estranho misterioso já estava me aguardando e não iria me entregar a Jaq facilmente. Eu o entendo; não gostaria jamais de me privar da companhia daquela princesa em favor de um adversário.Com certeza lutaria por ela até o fim.

A porta automática do elevador se abriu quando este parou, e diferente da última vez que visitara aquele mundo não havia nenhum vestígio da luz do sol. Estava numa espécie de terreno baldio, com vegetação densa e uma estreita trilha que sumia na escuridão. O silêncio era absoluto, a ponto de poder ouvir os batimentos de meu próprio coração e sentir a pulsação de sangue nos meus  ouvidos. Para um sonho até que as sensações eram reais demais, como jamais antes vivenciara até aquele momento.

Sai de dentro do elevador vagarosamente, e olhei ao redor, não conseguindo enxergar muito na escuridão à minha volta. Dei alguns passos incertos e estaquei quando ouvi um ruído sibilante de algo que passou a toda velocidade próximo ao meu ouvido esquerdo. Visto que o ruído não se repetiu por um minuto inteiro continuei a caminhada pelo desconhecido. A trilha tinha uma ligeira inclinação e percebi que estava descendo quando escorreguei e quase perdi o equilíbrio; porém passado o susto, prestei mais do que a costumeira atenção ao caminho e continuei adentrando aquele território sombrio.

Nesse momento ouvi ao longe o murmúrio de um riacho, e não sei por que tive certeza que estava na direção certa. Talvez tenha me lembrado daqueles filmes antigos da sessão da tarde, onde garotos ficavam perdidos numa floresta e pra serem resgatados seguiam um curso de rio, manobra conhecida e praticada por escoteiros no mundo inteiro. Se pretendia achar e resgatar alguém perdido no mundo dos sonhos por que também não me valer dessas regras do mundo real?

Sorri no sonho quando tive esse pensamento um tanto óbvio, e sem saber também sorria enquanto dormia no mundo real.

(mundo real)

_E aí, vamos acorda-lo? Já está quase acabando o horário de visitas._ perguntou Sandra enquanto me observava dormindo sentado na cadeira ao lado da cama de Jaq.

_Não, coitadinho! Olha como ele está sorrindo... deve estar sonhando com sua amada. Fazia tempo que eu não o via sorrindo desse jeito._ respondeu solidária Andrea.

_Resta saber com qual das amadas ele está tendo o tal sonho feliz..._ declarou o irônico Junior aproveitando que a Luciana ( uma das tais amadas), havia se ausentado do quarto por alguns instantes.

Quando a Lu voltou se despediu da turma dizendo que ficaria mais um pouco e que depois voltaria para casa de metrô comigo pois havíamos combinado de tomar um sorvete juntos num Mac mais próximo, história essa um pouco fora do comum para meu comportamento rotineiro. Parecia que a bela loira já estava mudando minha rotina de fidelidade à outra loira, a adormecida.No que aquela história ia dar eram outros quinhentos...

(mundo dos sonhos)

Uma coisa que acontece quando nos conectamos ao sonho de outra pessoa é compartilhar seus segredos mais íntimos. Descobri isso da forma mais inusitada possível;na paisagem escura e deserta do sonho-prisão de Jaq percebi alguns dos seus maiores medos na vida:ficar no escuro e solitária. Senti por alguns momentos o mesmo medo que ela sentia.

Continuei descendo a trilha em direção ao som do riacho, com a esperança de poder acha-la e resgata-la daquele mundo sombrio. Era incrível como este sonho que eu compartilhava com a Jaq era real. A textura das plantas rasteiras que roçavam minhas pernas, o vento que soprava do sul em meu rosto, minha audição e visão praticamente reais e aguçadas ao extremo; tornavam aquele sonho o mais nitido da minha vida com certeza. Quando atingi a margem do riacho o som que este fazia já era tão alto que praticamente abafava os demais sons da floresta. Parei e por um relance de visão percebi um vulto se movimentando na margem oposta do rio (sim nesse momento o leito do riacho já estava largo o bastante para ser chamado de rio). Prestei atenção redobrada aquele detalhe porém além da sensação de estar sendo seguido por alguém ou algo do outro lado do rio, nada mais consegui divisar na escuridão. Me lembrei que se o Junior estivesse presente na situação usaria uma de suas frases de HQ preferidas:”meu sentido aranha está captando algo”. Sorri pela segunda vez no sonho...

 

(mundo real)

 

...e também na vida real. Luciana que estava me velando o sono disse pra si mesma em voz alta:                            

_ Deve ser um bom sonho que você está tendo, meu querido! Será que eu estou presente nele, ou a Jaq ainda é dona do camarote exclusivo na sua mente?

Depois de dizer isso a bela loira resolveu me dar mais uma hora de sono antes de me acordar para leva-la pra casa.

                                              

(mundo dos sonhos)                                                                                                                          

Devia já ter andado uns 2 ou 3 quilometros, seguindo a margem do rio e não achara nenhuma ponte ou vazante para atravessá-lo. Sabia instintivamente que meu objetivo se encontrava do outro lado e além de superar o obstáculo da travessia do rio, teria também que confrontar meu perseguidor invisível, pois percebia pelo canto do olho que ele continuava à me seguir do outro lado. Quais seriam as suas intenções? Me ajudaria ou atrapalharia em encontrar o meu objeto de desejo? E a questão mais importante: seria uma ameaça a Jaq? O terreno ia se tornando mais acidentado com o passar do tempo e a trilha meio que sumia em certos trechos onde o solo erodido se desfazia em barrancos; ficava cada vez mais difícil não tropeçar ou escorregar para dentro do traiçoeiro leito do rio, que pelo barulho já apresentava uma respeitável correnteza. Tinha que prestar muita atenção ao solo onde pisava e não podia mais saber se o meu perseguidor na outra margem ainda continuava me seguindo.

Uma coisa que aprendi na vida foi isto: o inimigo mais perigoso é aquele que você desconhece; e eu praticamente não sabia nada de meu sombra (gíria anos 80 pra cara que vive te seguindo).Só havia um jeito de descobrir... impulsivamente saltei no rio e usando daqueles super-poderes que a gente só tem em sonhos, nadei rapidamente para atravessar para o outro lado. Mas como no sonho as leis da Física nada significam, o leito do rio parecia se alargar cada vez mais e eu não conseguia atingir o outro lado; estava começando a entrar em pânico e como era natural naquela situação passei a afundar e engolir água. Caramba que sensação! Parecia líquida e real demais, e já a sentia molhando minha camisa...

(mundo real)

 

_O que  está acontecendo?!?_ despertei de meu sonho “molhado”(no sentido inocente é claro), e de um salto fiquei de pé sentindo minha camisa meio ensopada no peito.

_Calma, você estava resmungando no sono e eu não conseguia te acordar; então peguei esse copo com um pouco de água e no desespero joguei em seu rosto! Desculpe, estava preocupada com você; Por um momento cheguei a pensar que você não acordaria mais. Entrei em pânico, mas depois dos últimos acontecimentos acho que meu medo é explicável não é verdade?_ desabafou uma consternada Luciana, que com certeza ainda não entendia as leis do sonho compartilhado.

_Se eu te contar uma coisa, você jura que não vai me achar maluco?

_Tem alguma relação com o estado da Jaq  e o fato de ela já ter adormecido profundamente antes?

_Sim. Te contaram sobre o que aconteceu lá em casa depois do show do The Cure?

_Contaram, mas eu achei que estavam me zoando (mais uma para o dicionário inútil das gírias que surgiram nos anos 80).

_Não, não estavam. Tudo começou naquele dia ...

E passei a contar sobre o sonho misterioso que havia compartilhado com a Jaq e  o embate com o estranho que a estava aprisionando na outra dimensão.Por incrível que pareça ela  mostrou ter uma mente mais aberta do que eu esperava e aceitou prontamente a minha história como factível (oh eu gastando meu português aí de novo, gente!).

_Então, vamos supor que o mesmo cara estranho está mantendo de alguma forma a Jaq presa no mundo dos sonhos... caramba, que lindo você está todos esses meses aqui do lado dela só tentando entrar lá e resgata-la?

_É, entende por que eu tinha que desconversar quando os adultos perguntavam sobre minha dedicação?

_Não só os adultos...eu também achava exagerado você praticamente morar aqui. Mas agora que você me contou tudo, eu te entendo e acho a maior das provas de amor que um cara poderia dar pra uma garota: ficar sempre ao lado dela, e mesmo numa situação meio que impossível fazer de tudo para ficarem novamente juntos!

Ela meio que se empolgou e estava falando olhando bem no fundo dos meus olhos...estávamos próximos, talvez demais, e eu percebi pela primeira vez na vida o quanto ela era romântica. Seus olhos brilhavam e não era só um efeito de luz externa; ela lutava pra não demonstrar os sentimentos, e por um momento estive muito perto dela como jamais estive e passou pela minha cabeça o quanto era difícil pra uma garota bonita e com popularidade como ela se abrir e mostrar esse lado indefeso e frágil que todos temos. O mundo sempre cobra de tais garotas um comportamento alheio e distante, meio coquete (namoradeira em francês), tipo uma destruidora de corações... só que as vezes isto tem um custo incalculável pra elas, e seus corações invariavelmente é que acabam despedaçados pelo caminho.

Foi apenas um lampejo de pensamento; um breve momento que ela me deixou ver além de sua máscara, mas logo ela se recompôs e voltou a ser a Luciana vamp de sempre, com a qual o mundo já estava acostumado à lidar e julgar.

_Chega de frescura, voltemos ao ponto; no primeiro sonho você disse que ela estava também adormecida e tendo outro sonho, ok?_ disse a esperta garota enquanto andava em círculos dentro do quarto de hospital.

_Isto mesmo. Mas o que têm haver?

_ Ora, está na cara que ele deve estar usando o mesmo método para mantê-la aprisionada agora. Tipo um sonho dentro de um sonho, como aqueles presentes que damos de zoeira para os amigos cheio de embrulhos falsos... E se usarmos a mesma estratégia que ele: eu durmo e sonho com a Jaq; você em seguida dorme e sonha comigo, quando estiver no meu nível de sonho você dorme e com sorte vai entrar num nível mais profundo e achar a Jaq.

_Caramba, Lu além de tudo você é um gênio!

_Pois é , eu sou perfeita mesmo. Você me disse que usou remédios para dormir desse Hospital aqui no primeiro resgate, certo? Me mostra a sala onde eles estão guardados: primeiro eu tomo e durmo, você me dá uma hora de vantagem e toma o remédio em seguida. Algo me diz que ainda hoje veremos a Jaq e com sorte poderemos trazê-la de volta ao mundo real!

Em parte ela tinha razão; realmente vimos a Jaq naquele dia, só que não estávamos ainda com a sorte necessária para trazê-la de volta...                           

 

(2012)

 

Há algumas regras que devem ser levadas em consideração caso queiramos levar uma boa vida:

1-    Ame pra valer apenas uma vez, de preferência quando você ainda é inocente demais para saber que as coisas sempre acabam e nada é para sempre. Diria que a idade ideal pra isso é depois dos 14 e antes dos 17.

2-    Tenha os melhores amigos, aqueles que são inseparáveis, que estão com você tanto nas festas mais badaladas, como durante suas depressões mais profundas. Acredite do fundo do coração que essa amizade, este círculo mágico será pra vida inteira; que vocês serão vizinhos e trabalharão nos mesmos empregos e ao se casarem terão filhos com nomes engraçados que crescerão juntos e também serão melhores amigos.

3-    Viaje sem dinheiro (carona é uma opção se na sua cidade não for muito perigosa); assista os shows de suas bandas preferidas; guarde uma grana pra comprar aquele disco ou aquele game preferido;quando puder compre aquele carro velho que te dá maior trabalho, que te deixa na mão sempre nas piores horas da noite, debaixo das mais fortes chuvas. Lembre-se você estará com seus melhores amigos, e eles te ajudarão a empurrar o maldito e ainda farão piadas sobre isso. Você estará também ao lado daquela garota que ama, lembra-se: a número 1; e nada mais importará...

Graças à Deus eu tive tudo isso, e no final você percebe que só isso é o que interessa . Essas são as melhores coisas do mundo!

Ah, claro e antes que eu me esqueça... se o seu amor pode causar o final do mundo tente pesquisar algumas regras especiais quando se aventurar em outra dimensão pra salvar a garota que ama, usando como ponte o sonho da garota que achava que ama. Isto lhe pode poupar de um monte de dores de cabeça, podes crer no que eu digo!

 

(1987, no mundo dos sonhos)

 

Estava no alto de uma colina e já sabia que se tratava de um sonho visto que alguns minutos antes estava no quarto de um hospital, me sentindo sonolento pois havia tomado alguns comprimidos para dormir (crianças não tentem fazer isso em suas casas). Tudo nesse novo sonho era muito brilhante como quando você esquece de ajustar um novo aparelho de TV num brilho e contraste específico para uso no ambiente de sua casa. Era o sonho de outro pessoa, e ela com certeza( a Lu) tinha um conceito de mundo com níveis de iluminação bem diferentes do meu.

O som ambiente também era bem alto. Ouvia um Bon Jovi ao longe como se alguém estivesse com o som do carro no último volume, estacionado há uns 4 km de onde me encontrava. Ajustei meus olhos para agüentarem aquele nível psicodélico de luz do mundo da Lu e dei hesitante meus primeiros passos. Era estranho estar no sonho de outra pessoa; era uma sensação de estar usando roupas que não eram suas, tudo irreal e ao mesmo tempo tão real...

Agora era pôr em prática o plano da Luciana: achar dentro do seu sonho a minha amada Jaq; mas por onde começar? Resolvi seguir minha intuição e caminhei em direção ao Sol que se punha naquele outro mundo. Pôr-do-sol é sempre um espetáculo à parte não importa onde você o presencie; aquele show de cores no horizonte, os últimos raios que brilham como diamantes na vegetação; até mesmo as sombras que se aproximam perigosamente, tudo é um show para os olhos mortais; e no mundo da Luciana era um espetáculo mais sensacional ainda. Você percebia que ela era o tipo de pessoa que vive intensamente, que brilha, que tem luz própria; me atrevo a dizer que nunca mais conheci ninguém com tanta força vital quanto ela, tai talvez a explicação para seu enorme magnetismo pessoal que atraía todos a sua volta, que nos fazia sentir-se mais vivos só por estarmos orbitando em volta dela, que aquecia nossos corações com seu lindo sorriso...mas eu já estou divagando de novo.

Entendam: enquanto com a Jaq tudo era drama,dor e noite,com a Lu era exatamente o oposto. Amar a Jaq era como flertar com a morte,estar perigosamente andando na beirada do precipício, ser sugado para dentro de um buraco-negro. Amar a Lu era luz, simplesmente necessário para se estar vivo, impossível alguem conhece-la e não amá-la de alguma forma; mas sobrevivíamos a essa experiência e poderíamos contar com orgulho para nossos filhos no futuro sobre esse amor básico e natural,e eles nos entenderiam.

Mas me digam o que é o amor senão causar dor em nossos corações jovens e apaixonados? O amor pra ser verdadeiro têm que ter força para quebrar seu coração em mil pedaços       , isso é o que eu penso. Por isso eu não tinha duvida nenhuma sobre quem eu realmente amava...e era pra resgata-la que eu concordara com aquele plano maluco da Luciana. Era pra isso que estava naquele mundo: eu amava a Jaq incondicionalmente e entregaria minha vida com prazer como preço para trazê-la de volta.O problema era que esse não era o mesmo plano da Luciana; na verdade de forma subliminar o seu próprio cérebro a havia enganado sugerindo essa idéia de usa-la como ponte para o resgate de Jaq. Nada mais do que me atrair para dentro de seu sonho, suas regras e me fazer se apaixonar por ela de novo; era esse o real plano da mente da Luciana. E no seu mundo eu nada mais era que a presa de uma garota que tinha o melhor instinto de caçadora na zona norte de São Paulo dos anos 80.

A  temporada de caça começara; e eu nem sabia disso...

 

(2012)

 

A esta altura do campeonato alguns leitores devem estar questionando a veracidade desse relato ou mesmo o descartando como mera fantasia da mente de um lunático ,uma ficção cientifica barata, mas por favor leiam com atenção essa reportagem tirada de uma página real da internet datada de novembro de 2009:

                                                            

This Man  ─ O Invasor de Sonhos

trad. Ligia Cabús

ligiacabus@uol.com.br

   Nova Iorque. Janeiro de 2006. A paciente de um conhecido psiquiatra desenha o rosto de um homem que tem, repetidas vezes, aparecido em seus sonhos. Em mais de uma ocasião, o tal homem falou sobre coisas da vida privada daquela mulher. Ela nunca tinha visto aquele homem, aquele rosto. O retrato ficou esquecido na escrivaninha do médico por alguns dias até que outro paciente notou o desenho e reconheceu o rosto. Disse que aquele homem aparecia freqüentemente em seus sonhos; e também este paciente, afirmava que não conhecia aquela pessoa.

 

Era algo de curioso. O psiquiatra decidiu fazer cópias do retrato e enviá-las para vários de seus colegas de profissão. Os sonhos recorrentes são comuns a muita gente. São sonhos que se repetem. Em poucos meses, quatro pacientes reconheceram o rosto do desconhecido. Todos o tinham visto; em sonhos; e todos se referiam a ele como Esse Homem.

 

Desde a primeira divulgação, mais de duas mil pessoas, procedentes de diferentes países, reconheceram o homem porque ele esteve em seus sonhos: em Los Angeles, Berlim, São Paulo, Teerã, Beijing, Roma, Barcelona, Estocolmo, Paris, Nova Delhi, Moscou etc.. Até agora [em 2009], nenhuma relação foi encontrada entre os sonhadores. Abaixo, diferentes versões do mesmo rosto, o rosto do Invasor de Sonhos.

Teorias

 

Algumas teorias têm sido elaboradas para tentar explicar as misteriosas aparições desse homem que entra nos sonhos das pessoas sem ser convidado pelas lembranças ou por qualquer consciência remota.

 

Teoria do Arquétipo ─ Fundamenta-se nas idéias do psicanalista K. G. Jung, This man seria uma imagem arquetípica, modelo, pertencente ao inconsciente coletivo que pode aparecer em épocas de sofrimento ou dificuldade [problemas emocionais, mudanças dramáticas na vida, circunstâncias estressantes], especialmente nas pessoas mais sensíveis.

 

Teoria Religiosa ─ Para alguns, this man é a imagem do Criador [!?] ou uma maneira de Deus se manifestar [!? com essa cara?]. Os sonhadores que acreditam nesta idéia dão grande importância ao que o desconhecido diz em seus sonhos, como se tais palavras fossem conselhos, preceitos ou profecias divinas.

 

Teoria do Invasor de Sonhos ─ Também chamada de Teoria do surfista de sonhos. This man seria, então, uma pessoa real que tem o poder [ou faculdade] de entrar nos sonhos das pessoas por meio de alguma habilidade psíquica específica. Sua aparência corresponde, portanto, ao que ele é na vida real [no estado de vigília]. Outros porém, acham que ele pode ser completamente diferente em vigília alterando sua aparência durante a inconsciência do Ego durante o sono. Esta teoria também considera a possibilidade de que por trás do fenômeno This Man existe um plano [conspiração] desenvolvido por alguma entidade ou grupo clandestino.

 

Teoria da Imitação ─ Esta teoria psico-sociológica propõe que o fenômeno foi produzido casualmente e desenvolveu-se progressivamente, por imitação. O desenho que ficou na mesa do psiquiatra em Nova Iorque, foi visto mas não notado, percebido conscientemente por vários pacientes que, posteriormente, sonharam com o rosto. Ao distribuir o retrato entre vários profissionais do mundo, o psiquiatra causou uma espécie de contaminação do inconsciente de outras pessoas que freqüentavam consultórios psiquiátricos. Com a divulgação do fato via internet, outros mais, não pacientes de problemas psiquiátricos também sonharam com o homem.

          

 

         Os Sonhos

São relatos dos sonhos experimentados por várias pessoas. reproduzidos no site This Man. São anônimos.

Eu tenho tido esse sonho recorrente por anos. Um homem escuro e alto mostra-me um retrato e pergunta se nele, no retrato, eu consigo reconhecer meu pai. O homem no retrato é esse homem que eu nunca vi antes e que em nada se parece com meu pai. Apesar disso, inexplicavelmente eu respondo que reconhece nele o meu pai. Nesse ponto, geralmente, eu acordo me sentindo em paz. Outras vezes, o sonho continua e eu me vejo diante do túmulo de meu pai. Estou colocando flores na sepultura quando me dou conta que o retrato do meu pai desapareceu.

Eu me apaixonei por ele desde a primeira vez que o vi em meu sonho; embora deva admitir que ele é realmente feio. E a cada sonho ele me arrebata com seus gestos românticos e palavras doces. Ele me dá flores e jóias; me leva para jantar ou à praia, para ver o por do sol. [Na opinião deste tradutor, este é o sonho de uma encalhada]

Eu costumava sonhar freqüentemente que estava voando sobre minha cidade e observando meus amigos lá do alto, Mas desde que mudei para uma casa nova comecei a encontrar esse homem enquanto voava. Ele voa comigo mas nunca fala nada.

A primeira vez que sonhei com esse homem, eu estava tendo problemas no trabalho. No sonho eu estava perdido em um shopping center completamente deserto. De repente esse homem apareceu e eu comecei a fugir dele. Ele me perseguiu por um tempo que me pareceu ser uma hora até que me encurralou em uma área infantil de um supermercado. Então, ele sorriu para mim e apontou os caixas da loja. Neste ponto, acordei. Desde esta noite ele tem aparecido em meus sonhos e sempre me mostra direções antes do meu despertar. [Aqui, este tradutor acha que esse homem está sugerindo que sonhador vire assaltante de supermercados.]

 

Eu vi Esse Homem em meu sonho vestido de Santa Klaus [Papai Noel!]. Quando ele apareceu eu me senti feliz como uma garotinha. Ele sorriu para mim e, então sua cabeça foi se transformando em um balão e flutuava no ar sobre mim. Eu tentei pegar o balão mas ele sempre me escapava.

Sonhei com Esse Homem quando estava no 10º ano [do colégio]. Ele não aparece de forma recorrente. Mas somente em um; um sonho memorável e terrível. Eu estava preso em uma sala sentado em um banquinho. Um pouco a minha frente, tinha uma televisão. Então apareceram dois homens que eu nunca vi antes e que não eram, nenhum deles, Esse Homem. Ambos me atacaram. Acordei, gritando, todo suado, chorando. Porém, de algum modo, voltei a dormir e me vi de volta à sala. Comecei a chorar e a gritar. A televisão estava lá e foi então que Esse Homem apareceu na tela. Ao vê-lo, pedi a ele que não me fizesse mal. Seu rosto era inexpressivo e ele nada dizia. Ele cortou minha garganta e aí eu acordei. Acho que ele me permitiu sair do pesadelo. Pensei nele durante semanas e fiz alguns desenhos do seu rosto.

No meu sonho Esse Homem estava no meu espelho olhando para mim. Não disse nada e usava óculos. Não se moveu, era como uma estátua.

 

This Man Brasileiro! Eu sonhei com esse homem. Era brasileiro e muito bonito. Parecia um professor. Tinha seis dedos em sua mão direita e disse que se acontecesse uma catástrofe nuclear nos Estados Unidos: Vão para o Norte.

Eu vi Esse Homem em três sonhos diferentes. Ele apareceu um pouco diferente do retrato [que circula na internet e nas paredes e postes de cidades do mundo todo]; mas eu o reconheci imediatamente. Apareceu de repente e desapareceu do mesmo jeito. Disse a mesma coisa nos três sonhos: Tudo está acabado. Repetiu isso três vezes nos três sonhos.

(1987, “mundo real”:12 horas após acontecimentos no hospital)

 

_Vamos repassar de novo: você é o melhor amigo dele e quando veio junto para o hospital não sabia da intenção do mesmo?_ perguntou pela décima vez consecutiva o jovem e enérgico detetive do DHPP para Junior.

_Eu já disse pro senhor, não sabia de nada e não acredito que ele tinha intenção de fazer algo..._ começou a explicar o nervoso adolescente que visivelmente se encontrava cansado após ter passado praticamente a noite inteira respondendo à um interminável interrogatório naquela sala mal iluminada e sem ar condicionado no subsolo do Hospital das Clinicas, que estava sendo usada como posto da Policia.

_Meu jovem não é possível você não saber de nada se realmente for o melhor amigo dele! Além do mais o que vocês estavam fazendo num hospital em pleno final de semana? Vocês não são góticos ou do tipo mórbido de punckys malucos que ficam cheirando a desgraça alheia; dá para ver pelas roupas que são garotos normais e educados. Então que droga estão fazendo nesse hospital?

_Eu já disse mil vezes, o senhor é surdo!? Estamos visitando a namorada doente do meu amigo, ela já está em coma há uns seis meses...

Junior disse isso e se levantou abruptamente de sua cadeira encarando o policial, que embora fosse parrudão não era mais alto que ele ( Jr já tinha uns 1,80 m de altura), e quase houve um confronto se nesse momento não entrasse na sala o policial mais velho e mais calmo, que era seu parceiro e superior hierárquico e o levasse para fora.

_Você acredita nisso?! O moleque mal tem barba na cara e já ta me encarando, é brincadeira esse país?_ perguntou revoltado o policial mais jovem no corredor após seu parceiro fechar a porta da salinha atrás dele.

_Caramba Antunez, você está provocando o garoto a noite inteira! Lembre-se que ele é de menor e pode dar queixa da gente depois.

_Dane-se! Ele está mentindo, precisamos aperta-lo mais um pouco senão  como descobriremos o por que da tentativa de  suicídio duplo da garota e do amigo esquisito dele?

_Nisso você tem razão: a história não bate. Não existe registro em nenhuma parte do Hospital das Clinicas sobre a tal garotinha em coma internada há meses, acho que ela nem existe. Pra mim o amigo dele queria apenas roubar drogas e se divertir com a bela adolescente e alguma coisa saiu errado...

_Eu ainda fico com minha tese de Romeu e Julieta_ explanou o policial mais jovem_ o romance dos dois não era aceito pelas famílias e eles resolveram morrer juntos, tipo filme antigo de amor.

_Caramba não sabia que você era tão romântico, Antunez? Bem uma coisa é certa, algo saiu errado no plano dos dois e a garota entrou em óbito enquanto nosso príncipe continua adormecido...não vejo a hora dele acordar para o prendermos por homicídio doloso._ sentenciou o experiente policial.

(2012)

Sabe às vezes eu fico pensando sobre o sentido de tudo, o sentido da vida; e me reservo o direito de nessas minhas reminiscências meditar sobre alguns pontos importantes que só me foram esclarecidos depois de muito tempo de vida:

Já notou como a vida é mais fácil para os bonitos (ou esteticamente favorecidos , se preferir um termo mais politicamente correto)? Eles não se preocupam em agradar os outros pois estão acostumados a sempre atraírem sem fazer nenhum esforço, e acreditem isso faz toda a diferença do mundo. Eu sempre me considerei um cara normal, na média: nem muito feio nem muito bonito; e podem crer sempre foi muito difícil para mim saber como agradar as garotas. Nunca sabia quando uma delas queria que eu fosse meio canalha ou do tipo cavalheiro e às vezes trocava as bolas: me lembro de uma vez que eu saí com uma garota pela primeira vez e achava que estava agradando, e resolvi lhe dar um belo de um amasso na despedida. Pô, a garota gritou comigo e quase me chama de tarado! Disse que nem nos conhecíamos direito e eu já cheio de liberdade, que absurdo...Outra vez estava cheio de dedos com uma garota no primeiro encontro e ela depois confidenciou a amigas que tínhamos em comum que me achava meio gay , por não ter tentado pelo menos beijá-la.Caramba, é ou não pra surtar?! Você nunca sabe o que as senhoritas esperam de você e ainda acaba sendo mal interpretado pelo que faz ou deixa de fazer! Isso é um preço que se paga quando não se sabe como agrada-las, ou em outras palavras : quando não se é bonito o suficiente para ter uma auto-confiança natural e facilidade de encantar as pessoas sem fazer força. A gente fala que o que vale é a conquista, que o que vêm fácil vai fácil e que gostamos de sentir aquele friozinho na barriga antes de beijar uma garota difícil; mas convenhamos: a vida seria bem mais fácil se tudo viesse naturalmente para os nossos braços, não é verdade?

Sabe aquela sensação de que a namorada bonita que você conseguiu conquistar com muito esforço, não lhe pertence por direito? Que não importa o que você seja ou o tamanho do sacrifício que faça, a vida vai lhe tomar essa garota quando a mesma acordar e se tocar que é muita areia para o seu caminhãozinho... Pois é , quem pode dizer que nunca sentiu isto na vida , se também pertence aos 90 por cento da população humana considerado normal? Cheguei a um ponto da minha vida que é impossível me conectar com uma mulher e acreditar que ela queira, sem nenhum tipo de interesse escuso ficar comigo. Muitos de vocês meus leitores também devem estar passando por isso. Esse papo de que atualmente o mundo é mais liberal e todo mundo transa à vontade é só marketing enganoso. Conheço muitos amigos meus que são tão ou mais solitários do que eu mesmo( isso antes do mundo acabar é claro).

Pagamos um preço pela nossa alienação emocional muito alto; essa história de fingirmos que não sentimos nada por ninguém e estamos vivendo bem com isso, é uma tremenda mentira que contamos à nós mesmos e acabamos por nos convencer de que seja a mais pura verdade. A verdade é que eu só me senti realmente vivo quando estive apaixonado e minha vida nos últimos e solitários anos se tornou um imenso buraco vazio, um abismo sem Jaqueline e todo aquele amor que a gente sentia um pelo outro e acabou se consumindo como a explosão de uma estrela supernova.

Mas o problema era que tanto a Jaq como a Luciana pertenciam aquele 1 por cento da população do mundo que já nascem bonitas: a única diferença entre elas era que a Lu sabia e usava essa beleza, enquanto a Jaq não.

(1987, mundo dos sonhos)

Algo ou alguém me persegue pela floresta multicolorida no sonho da Luciana. Já por mais de uma vez tive que me desviar de projéteis e passar ao largo de armadilhas enquanto continuo explorando esse mundo fascinante criado pelos delírios oníricos da loira fatal. Parece que a temporada de caça foi aberta e eu sou o prato principal! Mas por que isso está acontecendo? Tínhamos combinado de que a Lu ma ajudaria a achar minha amada usando seu sonho como ponte; o que saiu errado?

Já estou ficando sem fôlego e minha noção de tempo está perdida; posso estar aqui à minutos ou à horas, não sei mais... de repente o chão cede sobre meus pés e caio num poço profundo e escuro, atingindo sua base poucos segundos depois. Ouço risadas e sons de passos apressados no túnel e prendo minha respiração e me preparo para lutar com alguns vultos que diviso na escuridão; mas isso se mostra inútil e sou arrastado por muitas mãos para a claridade de uma caverna lateral que fora usada como entrada para o poço onde caí.

Já na luz, qual minha surpresa quando me vejo cercado por réplicas perfeitas da Luciana ( pelo menos umas seis) vestidas com sumários trajes de caçadoras da pré-história. Devo confessar que não se tratou absolutamente de nenhum pesadelo para mim ser prisioneiro daquelas garotas lindas e primitivas, e uma parte mais egocêntrica de minha personalidade até estava gostando da situação, quem com 15 anos de idade não gostaria?!

(1987, “mundo real” 13 horas após acontecimentos no hospital)

 

Andrea estava começando a se preocupar com o fato de à terem esquecido naquele lugar horrível e nunca mais ver o mundo exterior. Dava-se para ouvir os gritos, vindos sei lá de onde, e as sombras projetadas pelos galhos das árvores na grande vidraça lhe pareciam como garras prestes a invadir a sala e ataca-la na penumbra.

Esse fluxo de pensamentos funestos foi interrompido quando a porta se abriu e entraram dois homens: um mais velho que parecia ser o líder e outro mais jovem e com um aspecto de constante belicosidade por qualquer coisa ou pessoa que atrapalhasse seu caminho.

_Desculpe-nos senhorita, mas tivemos algumas emergências para atender e visto se tratar de final de semana temos poucos profissionais de plantão. E então , podemos continuar com o questionamento?_ se explicou educadamente o mais velho.

_Antes, eu quero fazer algumas perguntas..._ replicou Andrea.

_Não mocinha, isso está fora de questão! Quem faz as perguntas aqui somos nós. _ contra-argumentou o mais jovem de forma ríspida.

_Ok, tudo bem! Estamos nervosos e exaustos, vamos colaborar para encerrar o mais rápido possível essa entrevista... lhe dou oportunidade para fazer 2 perguntas, senhorita._ respondeu o contemporizador da dupla.

_Onde estamos e o que vai acontecer com meu amigo?

_A primeira questão é fácil de responder: estamos no Hospital que foi cenário de todos os últimos acontecimentos. Com respeito a segunda parte de sua pergunta, depende muito das informações que nos dará sobre o seu amigo. Desde quando vocês se conhecem?

_Desde sempre, somos amigos de infância.

_E com respeito às outras pessoas que ele diz conhecer ( sacou do bolso do avental anotações), tenho alguns nomes aqui anotados: Junior,Sandra,Jaqueline e Luciana. Também são seus amigos desde a infância?

_Não, nunca ouvi falar desses nomes, e tenho certeza que meu amigo também não os conhece. É triste dizer, mas a verdade é que eu sou a única amiga que ele tem..._respondeu com convicção Andrea.

_E também a única que vem visita-lo nos últimos meses desde que ele foi internado após sofrer sua ruptura com a realidade e ficar catatônico, confere?_ entrou na conversa o jovem e impetuoso psiquiatra.

_Sim, esta é absolutamente a verdade dos fatos._ respondeu de forma triste Andrea.

(1987, mundo dos sonhos)

 

Eu estava sentado no meio do que parecia ser uma aldeia primitiva saída de um dos episódios de Elo Perdido ( aquela série antiga sobre uma família perdida num mundo pré-histórico). Tinha os pulsos fortemente amarrados às costas, presos numa espécie de poste totêmico e era constantemente vigiado por duas adolescentes semi-nuas com aparência da Luciana. Sabe aqueles filmes em que caras conhecem gêmeas perfeitas e passam a fazer fantasias eróticas sobre isso? Era assim que eu me sentia. Uma delas estava agachada naquele posição ultra-sexy (pelo menos pra mim) em que a garota junta os dois joelhos e os usa como base de apoio no chão. Ela estava de frente ao meu ângulo de visão e o formato de suas coxas flexionadas me deixavam sem fôlego. Ah, eu e meu fraco por pernas grossas e bem-torneadas! Isso ainda vai me matar, literalmente eu digo.

Dei um meio-sorriso à esta quando olhou diretamente em minha direção e tentei entabular uma conversa:

_Ei, por que não conversamos civilizadamente? Você me parece uma pessoa razoável, me solte e a gente bate um papo, ok?

Levei um golpe de surpresa que quase deslocou meu maxilar ; não tinha sentido a aproximação de uma terceira “gêmea” da Lu  pelo meu flanco direito e me arrependi disso. Essa não brincava em serviço e ao aproximar seu rosto lindo do meu sorriu perigosamente e me deu uma lambida sensual como se fosse um animal selvagem que sentia tesão pelo medo e gosto do suor de sua presa.

_Diana, para de brincar com o prisioneiro, sabemos muito bem a quem ele pertence... nos cabe apenas leva-lo em segurança à nossa majestade._ interviu com autoridade uma quarta “gêmea” que pelo tom de comando na voz com certeza era a líder da matilha( não me entendam mal as feministas, mas eu já estava encarando aquele grupo de caçadoras como um bando de animais: belos porém letais).

A “gêmea Kiss” ( por causa da língua), se afastou e deu espaço para a líder e a “lindas pernas”( tenho que apelida-las para diferenciar uma da outra, lembre-se elas eram gêmeas idênticas ), me soltarem do poste e de forma nem um pouco delicada me arrastarem para o que parecia ser uma carroça armada com uma jaula de ferro que com certeza seria o meu meio de transporte naquele mundo selvagem.

_Como prisioneiro, tenho pelo menos o direito de saber pra onde estão me levando, certo?

_Não, aqui você não tem direito de absolutamente nada... simplesmente a convenção de Haia não vale em nosso mundo!_ me respondeu a bela líder provando que não era apenas mais um rostinho bonito, mas também tinha inteligência.

_E Sua Majestade, o que fará comigo?_ perguntei abusando da sorte, enquanto elas me trancavam dentro da jaula.

_ O que ela faz todo ano nessa época antes da colheita: casa-se e recebe a semente de um novo herdeiro ao trono, segundo os nossos costumes sagrados milenares..._começou à respondeu a líder divertida com a cara de espanto que fiz.

Agora, me digam vocês leitores: tinha como não ficar empolgado pra ver o desfecho desse sonho?!? EU ESTAVA PRESTES A PERDER A VIRGINDADE COM UMA RAINHA AMAZONA COM A CARA E O CORPO DA LUCIANA! Tinha como melhorar isto? Não, mas infelizmente tinha como piorar, e muito acreditem...

_O único problema é que segundo esses mesmos costumes milenares, o macho deve ser sacrificado como oferenda após a cópula:um lance meio semelhante a aranha viúva-negra arrancando a cabeça do macho após o acasalamento._finalizou a líder de forma impassível.

_Isto é o que eu chamo de perder a cabeça no primeiro encontro com uma garota!_ comentei ironicamente.

 

(1987, “mundo real” 14 horas após acontecimentos no hospital)

Junior fora liberado pelos policiais , mais por falta de evidências de seu envolvimento na morte acidental de Luciana, do que pela influência do seu primo que era um dos administradores do Hospital das Clinicas, embora este último fazia de tudo para que o jovem acreditasse nisso:

_Olha cara, cansei de livrar sua cara e a de seus amigos estranhos aqui no Hospital. Meu emprego já está ameaçado; dá um jeito de não se envolver mais em problemas, ainda mais com overdose de remédios , caramba meu, por essa nem eu esperava; seus amigos pareciam ser tão legais!

_Sem essa primo, você sabe tanto quanto eu que não se trata apenas de uma overdose ou esta teoria de suicídio ritual de amor, algo maior está acontecendo aqui, e eu pretendo descobrir pra salvar a pele de meu melhor amigo!_ declarou de forma enfática Junior.

_Vai para casa descansar , você está precisando depois dessa noite... eu tomei a liberdade de guardar o Minamóvel lá no reservado dos funcionários ao lado do meu carro, a chave está no contato.

_Ok, obrigado por tudo primo, depois te ligo. Ah antes que eu vá embora, posso dar uma última olhada na Jaq?

_Jaq, quem?!?_ perguntou um atônito primo que desde que a garota fora internada no hospital era um de seus maiores admiradores, segundo o que Junior lembrava. Nesse momento as engrenagens dos pensamentos de Junior deram um clique e começaram a se encaixar em seus devidos lugares e tudo fez sentido então...não estava ciente do movimento dos seus pés, saiu de lá do jeito que se movemos nos sonhos, como se na verdade, o mundo estivesse se movendo a seu redor, correndo para trás como em uma espécie de truque de projeção extravagante. O cenário mudara: agora Junior se encontrava do lado de fora do Hospital, o sol brilhava esfuziante quase cegando-o e qual foi sua surpresa ao ver que o carro que seu primo tinha chamado de Minamóvel era na verdade um mix de Dlorean (De volta para o futuro), com carro esporte dos Transformers. Na verdade o carro que ainda só existia nos seus sonhos!

_Se estamos na chuva, é pra se molhar!

E falando isso em voz alta, abriu a porta do veículo e entrou no mesmo.

_Dá um tempo amigo, nós encontraremos e te ajudaremos a resgatar a Jaq dessa dimensão...e algo me diz , que nos divertiremos muito no processo!

Saiu cantando pneu em seu carro dos sonhos; o intrépido adolescente que foi sempre o meu melhor amigo.

(1987,”mundo real”, 14 horas e meia após acontecimentos no hospital)

 

_O que seu amigo tem é diagnosticado como Síndrome dissociativa de realidade; em outras palavras ele vive num mundo de sonhos onde existem amores impossíveis e amigos ideais..._ explanava o doutor mais velho à uma atenta Andrea que sempre fora fascinada por temas psicológicos e afins.

_Por isso que ele imaginou todo esse pessoal e essas garotas? Tudo que ele não possui na vida real?_ indagou a esperta garota.

_Sim, exatamente. Digamos que nosso conceito de mundo real é por demais elástico, por assim dizer. Principalmente na infância é comum termos amigos ficcionais e confundir o que é real com o que é apenas sonho. Seu amigo atingiu um nível totalmente novo para o estudo de nossa Ciência de comportamento: ele criou um mundo onde convive, conversa e até se apaixona por personagens totalmente fictícios._ explicou o doutor.

_E por que vocês doutores, estão me contando tudo isso?

_Porque pensamos em praticar uma nova terapia de choque, e necessitamos de sua colaboração...

_Calma aí ! Não vou me envolver em algum tipo de tortura ao meu amigo!

_Não se trata de choque no sentido literal da palavra. É algo no nível mais psicológico: tipo uma abordagem mais agressiva onde obrigaremos seu amigo a confrontar seus devaneios e sair desse mundo dos sonhos onde ele se encontra aprisionado. E aí entra a sua colaboração como melhor amiga dele: você o convencerá a se livrar desses amigos de sua imaginação fazendo um pequeno e importante jogo mental.

_Se for para ajuda-lo, e não lhe causar nenhuma dor, estou para o que der e vier!

_Você vai agora entrar sozinha lá no quarto de isolamento com ele e o convencerá que nada do que ele acredita é real; principalmente é importante que ele desista da procura por essa garota Jaqueline, ele não pode salva-la, pois ela não existe!

Andrea, muito solícita concordou com os médicos e passou os quinze minutos seguintes recebendo pormenorizadas instruções sobre o que falar e como agir com seu louco amigo ( este narrador que humildemente vos fala). Entrou na tal sala branca que como todos já devem saber se trata de um lugar de privação de sentidos que deixa a pessoa sem noção de tempo e espaço por um período determinado, e se aproximou de mim que estava encostado na parede oposta, imobilizado com uma camisa-de-força(segundo os médicos: para minha própria segurança) e me amparando, passou a alisar meus cabelos de forma carinhosa enquanto sussurrava frases em meus ouvidos que pareciam aos doutores que a observavam por um circuito fechado de câmeras, uma forma de me convencer que eu  deveria rejeitar definitivamente minhas fantasias e amigos imaginários  e encarar o mundo real. Pelo menos era isso o que parecia para eles, porque as reais palavras que ela dizia em meus ouvidos eram as seguintes:

_Temos que sair daqui! Estamos presos num sonho, percebi isso quando os médicos falsos entregaram o ouro ao me dizer que eu deveria te convencer a desistir da procura pela Jaqueline (como eles sabiam qual a garota imaginária que eu deveria salvar, quando segundo eles todas as minhas amigas eram imaginárias?)

Nesse momento o meu eu , que segundo os médicos já estava catatônico há meses, reagiu olhando para Andrea e sorrindo ao reconhece-la Parece que teríamos que fugir daquele sonho que a Andrea estava tendo primeiro antes de encontrar o verdadeiro destino de minha amada Jaq.

Um dos médicos porém era especialista na leitura labial, e estava concentrado em nossa conversa. O outro nada percebia e fazia anotações em seu prontuário baseado nas observações que faziam do paciente.

_Parece que ele está reagindo bem ao contato da garota. Acho que deveríamos suspender sua medicação e remove-lo da sala de privação de sentidos..._ relatava o jovem médico monótonamente.

_Eu acho que o melhor é remover a sua cabeça de sobre o pescoço para calar essa sua boca tagarela!_ respondeu bruscamente o médico mais velho  que nesse momento apresentava uma estranha coloração rubra em seus olhos. O jovem médico nem teve tempo de responder, pois o estranho que se auto intitulava o “Mestre” decapitou-o com um gesto rápido de sua lâmina ultra afiada semelhante á uma espada ninja. O sangue espirrava como de uma mangueira de alta pressão que fora rompida e o Mestre nem parecia se importar; vagarosamente ele caminhava em direção á porta da sala de isolamento disposto a fatiar tanto a mim como a Andrea.

Quando escancarou a porta qual foi sua surpresa ao encontrar tanto Andrea como eu em posição de ataque a sua espera.

_Parece que meu erro é sempre subestimar você e seus amigos! Como sabiam que eu estava a caminho?

_Meu caro este é meu sonho, minhas regras!_ declarou triunfante Andrea enquanto saltava no ar e miraculosamente se equilibrava com os dois pés sobre a lâmina que estava estendida em um ângulo reto a frente do mestre. Mas o mestre não era conhecido à toa por este título. Com um rápido movimento lateral se esquivou da garota e de um jeito quase impossível de se descrever passou a correr  pelas paredes enquanto desferia golpes com sua katana ( bem à lá Matrix). Eu ainda meio atordoado, ficava só olhando para o espetáculo sem entrar pra valer na briga; tentem um dia dormir e ficar pulando de sonho em sonho para ver se seus sentidos também não ficam atrapalhados. Antes eu estava no maravilhoso mundo pré-histórico do sonho da Lu, agora acordara nesse sonho sombrio e ninja que parecia pertencer a minha amiga Andrea. A única coisa que fizera de útil fora informa-la sobre os supostos super-poderes que tínhamos em nossos próprios sonhos, quando percebi as reais intenções dos falsos médicos dessa dimensão.

Já sabia porém que me encontrava num nível mais profundo no chamado mundo dos sonhos:me conectara a Luciana no primeiro sonho e depois fora meio que sugado para esse sonho por uma força desconhecida; para isso ter acontecido deveria estar “adormecido e sonhando” dentro da jaula onde estava preso no Elo perdido.

Os movimentos da dupla hostil ficavam cada vez mais rápidos e não dava pra ver quem estava levando a melhor.Foi quando senti uma dor lancinante em meu braço direito que percebi que poderia me ferir de verdade quando estivesse no sonho de outra pessoa, talvez até mesmo morrer; passei a me concentrar olhando fixamente para um ponto aleatório na parede branca, onde se encontrava a mancha de sangue espirrada do ferimento de meu braço.

Eles se movimentavam numa velocidade impressionante desafiando todas as leis da física do mundo real. O estranho sempre que tinha uma oportunidade desferia golpes com sua katana em minha direção, mas felizmente a super-Andrea amparava a todos esses golpes, percebendo que eu estava indefeso em seu sonho.Contei mentalmente de forma regressiva de 10 a zero , fechei os olhos e acordei dentro da jaula que já me parecia a esta altura do campeonato o lugar mais confortável do universo e respirei aliviado, ao ver que chegava à um velho castelo no final da estradinha por onde viajávamos. O pequeno esquadrão de Lucianas que me acompanhava como escolta se espalhou pelos arredores da fortaleza e apenas a Luciana líder ficou conduzindo os animais que puxavam a carroça onde eu estava sendo transportado, e atravessamos a ponte levadiça sobre o fosso que circundava o castelo.

A imensa porta de duas folhas era de carvalho com dobradiças de ferro que rangiam muito enquanto se abriam a nossa frente. Devia haver algum mecanismo automático para abrir aquela porta pesada pois eu não vi ninguém fazendo esse serviço. As últimas luzes de um sol que já se punha invadiram e coibiram as trevas dominantes dentro da fortaleza, e no átrio deu para perceber as dimensões de catedral do castelo. Fiquei fascinado, visto ser a minha primeira vez em um castelo medieval e apesar de saber que estava num sonho os detalhes eram ultra-realistas e em 3D ( garanto que quem tiver a patente desses sonhos será o próximo líder em venda de games no mundo).

A carroça onde eu estava sendo transportado parou enfrente a uma escadaria em forma de dossel que começava larga em sua base e ia se afunilando nos degraus superiores. A líder me olhou com aquele olhar de malícia e mistério que eu já estava tão acostumado a sentir na pele com a Luciana original, e eu sabia que a hora do sacrifício tinha chegado.

_Bem, no meu mundo é costume dar o direito das últimas palavras a um prisioneiro condenado a morte. Posso exercer esse direito aqui também?_ perguntei humildemente para a minha bela captora.

_Pode perguntar para Sua Majestade, afinal de contas ela será a última pessoa que falará com você vivo.

Nesse momento nosso diálogo foi interrompido pelo barulho ensurdecedor de um rock (acho que era Bon Jovi), vindo do andar superior;entendi que uma porta do que seriam os aposentos reais fora aberta lá encima. Pela expressão de adoração no rosto da líder que olhava para os degraus mais altos da escadaria, Sua Majestade Luciana estava descendo para pegar seu prêmio: eu.

Outras pessoas têm auto-estima elevada e até podem ser chamadas de egocêntricas; mas nunca conheci alguém que se amava tanto quanto a Luciana. No seu sonho, além de todas as garotas serem cópias exatas dela, rendiam-lhe uma adoração quase que incondicional. Ela estava vestida como uma daquelas divas de filme antigo de Hollywood: um longo branco e com um decote que chegava quase ao umbigo. Seu sorriso era perigoso e enigmático; seus olhos drenavam todas as minhas forças de resistência e por um breve momento desejei tê-la em meus braços de forma selvagem e ardente mesmo que isso significasse minha morte.

Ela parecia ler meus pensamentos, e fez a única coisa que jamais uma mulher bonita pode fazer em minha frente : se sentou nos últimos degraus, bem à altura de meus olhos cruzou as pernas que devido à um corte transversal em seu vestido ficaram totalmente nuas.Suas coxas flexionadas, tão lisas e torneadas me levaram à loucura.

Mas o golpe de misericórdia ainda estava por vir. Ela se levantou de repente e tirou a parte de baixo do vestido que na verdade se tratava de uma daquelas caudas extravagantes usadas em vestidos de noiva. Agora ficara com uma minissaia branca curtíssima e ao se sentar novamente não cruzara as pernas imediatamente mas de forma maliciosa as deixara entreabertas de um jeito quase inocente, displicente como só uma garota adolescente sabe fazer. Eu conseguia vislumbrar um pequeno triângulo de tecido branco que me indicava que pelo menos ela não estava desprevenida por baixo daquele modelito ultra-sensual. Na verdade ela me conhecia muito bem, e sabia que uma visão mais explícita me afastaria, porém a insinuação e o erotismo leve me deixavam completamente dominado. Rapidamente com uma expressão de desagrado no rosto  corrigiu o descuido se recompondo e cruzando de forma protetora as pernas. Alguns segundos apenas, e todas as minhas defesas destruídas por aquele movimento friamente calculado. Essa não era a Luciana que tanto amara nos últimos anos; esta era a Luciana que gostava que o mundo inteiro à desejasse loucamente. Bem comigo ela estava tendo êxito em seu intento. De tão absorto que estava em nosso diálogo sem palavras, só percebi que estava livre de novo quando ouvi o clique da fechadura de minha jaula sendo aberta. A Luciana sem sangue azul se retirou humildemente do Hall, me deixando à sós com a nobre Luciana. Ignorando meu destino, saí da jaula e me aproximei vagarosamente dos primeiros degraus da escadaria e numa atitude ousada enlacei pela cintura a bela loira e disse olhando em seus olhos:

_ Permita-me majestade, um beijo de seu humilde servo?

_Autorização concedida!_ respondeu ela com imponência.

O beijo foi longo e serviu para muita coisa:

Primeiro, me esclareceu que quase nunca o real corresponde ao idealizado.

Segundo,um beijo frio sempre acaba com a libido.

E terceiro fator e mais importante:eu ainda amava a Jaq e estava naquele mundo à sua procura.

A Luciana sentiu isso tudo que se passava pela minha cabeça, me olhou nos olhos com aquela expressão de “Por quê”,e acordou logo em seguida rompendo nossa conexão no mundo dos sonhos, e me mandando para uma dimensão paralela onde me encontrei num corredor branco enfrente à uma porta misteriosa. A abri e qual não foi a minha surpresa de encontrar meu alter-ego do futuro sentado em uma confortável poltrona junto a uma lareira e com um livro no colo. De relance li na capa o título:”Manual para exploradores do mundo dos sonhos”, o que me causou um deja vu não sabia por que.

_Finalmente nos encontramos de novo!_ declarou em voz animada o meu eu do futuro.

_Acho que está na hora de explicações de sua parte. Chega de nuvens escuras e frases de efeito. Quem é você e já nos vimos antes, não é mesmo?_ comecei o interrogatório me posicionando a sua frente e lhe encarando com decisão.

_Ok, gosto de sua objetividade: perguntas rápidas exigem respostas concisas. Sou você daqui 25 anos no futuro e fui o cara que apareceu no meio de uma tempestade a alguns meses te impedindo de se declarar para a jovem Luciana.

_E o outro cara, o mau que só aparece em sonhos, cujo rosto não consigo ver devido as sombras?

_Meu nêmesis, e também seus pior inimigo. Foi ele que escreveu esse livro que tenho em mãos. Ele sabe tudo de manipular e entrar nos sonhos dos outros.

_Por que ele está interessado em aprisionar a Jaq nesse mundo dos sonhos?

_Esta não é a pergunta correta, mas sim por que você quer tanto liberta-la?

_Porque a amo e ela tentou se matar por minha causa.

_Sua primeira afirmação está correta, e não precisa ser nenhum gênio para perceber seu imenso amor por ela. Porém não é verdade que ela tentou se matar por sua causa; na verdade nem foi tentativa de suicídio.

_Como assim?!? Ela tomou uma overdose de remédios para dormir e está em coma à meses ! Qual dessas informações você não está entendendo?

_Você é que não está entendendo, deixando como sempre seus sentimentos se interporem sobre a razão. Pense: o Mestre manipula sonhos e pessoas, foi muito fácil para ele colocar um gatilho mental na mente de Jaqueline quando teve acesso ao sonho dela  pela primeira vez...

_Sim, agora tudo está se encaixando:ele falava ao ouvido dela naquele meu sonho da rua da Luciana e do abismo. Estava implantando o gatilho mental que se ativaria quando ela brigasse comigo por ciúme da Lu...

_Exatamente, tudo manipulado por ele de forma sensacional de modo a que ela entrasse em coma e se tornasse refém de seus piores medos. Ela está presa em meio a seus pesadelos, que vem em forma de arquétipos de monstros que representam  para ser mais exato 3 de seus piores medos.

_E quais são eles e como posso liberta-la?

_Isso você tem que descobrir sozinho; o máximo que posso é lhe emprestar esse livro e aconselha-lo a ler com atenção o primeiro capítulo.

Me estendeu o livro misterioso, e quando o folheei encontrei a seguinte página:

Antes de mais nada vou esclarecer a vocês quais as 10 regras básicas para navegar no mundo dos sonhos:

1.    Fixe seu olhar por pelo menos 10 segundos num objeto e poderá prolongar seu sonho e torna-lo lúcido.Faça isso no sonho de outra pessoa e você consegue sair.

2.    Nunca, em hipótese alguma traga algo de seu sonho para a realidade.

3.    Lembre-se você só tem controle absoluto de seu próprio sonho, mas pode se ferir e até morrer quando está conectado ao sonho de outra pessoa.

4.    Há 4 níveis que podem ser atingidos no mundo dos sonhos: você sonhando(1);você dentro do sonho de outra pessoa(2);já dentro desse sonho, você dorme e sonha(3); o repositório global de sonhos do inconsciente coletivo(4).

5.    Você pode atingir e explorar os 3 primeiros níveis, mas nunca tente explorar o nível mais profundo sem prévio treinamento;os que tentaram ficaram lá presos para sempre.

6.    Em caso de coma induzido pela própria pessoa, esta fica presa em seu próprio mundo dos sonhos aterrorizada pelos seus piores medos.

7.    Nunca se esqueça: seu sonho, suas regras (super-poderes).

8.    Você pode aprender a manipular o tempo nos sonhos; tipo retroceder ou avançar o fluxo, mas isso só pode ser feito uma vez em um sentido.

9.    Você pode optar por esquecer ou apagar memórias desagradáveis, somente se conseguir atingir o nível 4.

10. Existe um raro problema neurológico que se torna impossível o sonhar de uma pessoa: Defeito anatômico do sistema reticular.

Após lê-la rapidamente conclui:

_Segundo a regra número 8, posso agora voltar no tempo e retroceder aquele momento que estava atravessando o rio misterioso no mundo de pesadelo da Jaq, correto?

_Sim correto, e boa sorte; minha dica é a seguinte feche os olhos e retroceda alguns passos pra trás._ e dando a deixa meu alter ego que se parecia muito com um soldado desses cansados de tantas batalhas, se levantou e me cumprimentou.

Fiz o que ele disse, e senti o deslocamento de ar à minha volta, e de repente meu mundo foi inundado e nadei de volta a superfície abrindo os olhos já no mundo onírico de Jaq. Saí ensopado de dentro do rio e seguindo meus instintos tomei um rumo que me conduziria ao primeiro dos Medos de Jaq. A trilha era estreita e a noite era densa;não percebi o quanto estava próximo da encosta de um penhasco. Escorreguei e caí em uma queda livre que parecia me prenunciar a morte (lembrem-se: naquele mundo eu poderia morrer).

(2012)

 

 

Ama-la era como amar a escuridão sem fim. Ela era feita de luz e trevas, paz e tempestade, gelo e fogo, e ama-la sempre me machucou muito, mas foi inevitável,impossível, inatingível e insuperável. Simplesmente não estaria vivo se não a tivesse conhecido e amado tanto assim, Ela me tomou a vida e a razão e me colocou em um trem desgovernado em uma estrada longa e sinuosa, descendo pela encosta de um abismo de forma desenfreada, e apesar de tudo se morresse na queda e renascesse por cem vezes ainda assim faria tudo exatamente igual, pois ela sempre foi e sempre será maior que a vida, maior que tudo que existe pra mim.

Sempre fiz listas na minha vida de tudo que me interessa e de metas que pretendia atingir.

A Jaq me mostrou que às vezes rasgar tais listas e viver é bem melhor.E agora ela precisava de um herói e eu seria este para ela.( aconselho meus leitores a continuarem a seguir esse relato com uma trilha sonora que eu mesmo vou indicar. Liguem seus PCs no Youtube e ouçam na ordem as seguintes musicas, para sentir na pele o que meus personagens sentem nas paginas deste conto:


2. Holding Out For A Hero. Bonnie Tyler

3. Nowhere Fast   Fire Inc


5. I Hear You Call. Bliss)

 

(Mundo dos sonhos, nível mais profundo)

 

 

Depois da explosão de luzes que rasgavam o céu no sonho da Luciana, era hora de enfrentar o mundo de trevas e relâmpagos do mundo de pesadelo onde Jaq estava aprisionada.

No momento que despenquei naquele cenário apocalíptico de jogo FPS, a localizei com seu indefectível vestido branco, acorrentada em um promontório árido e rochoso cercado por águas escuras e revoltas de um oceano bravio. Sem titubear avancei pulando sobre as rochas e evitando contato com aquele mar nefasto. Ouvi um grito desumano e surreal e senti o deslocamento de ar quando uma ave gigantesca passou por sobre minha cabeça; instintivamente me abaixei e talvez isso foi a razão de não ter sido decapitado pelo estranho monstro alado.

Havia uma espada tal qual a lenda de Excalibur presa na rocha logo a minha frente, e entrei pra valer no pesadelo medieval que a Jaq estava tendo e puxei-a com força pelo cabo usando as duas mãos, nem mesmo conseguindo move-la por milímetros; estava muito profunda na rocha nua e sólida.

O monstro só para me intimidar deu outro de seus ultra-sônicos berros e com suas garras num vôo rasante arrancou sangue e carne de meu ombro direito. Gritei de agonia e dor e amaldiçoei o jurássico animal.

Ele totalmente indiferente a meus lamentos e ameaças deu a volta e veio novamente em minha direção com tremenda velocidade.Fiz num gesto desesperado algo que só mais tarde tomaria como uma grande inspiração que veio da mente que subjetivamente controlava aquele mundo de pesadelo.. Me inclinei numa posição de cavaleiro que vai ser empossado pelo senhor feudal, ficando ajoelhado com o rosto voltado para o chão e a mão direita  que já possuía sangue escorrendo por entre meus dedos, sobre o cabo de madrepérola da espada. A ave gigante cuja inteligência com certeza não era seu ponto forte, fechou uma de suas garras sobre minha mão que estava presa a espada e com sua força descomunal me alçou em vôo desenterrando no processo a espada( algo que não conseguiria sozinho).

Com minha mão esquerda livre me agarrei a uma de suas asas que estavam num ângulo quase reto para direcionar seu vôo rasante, e ao sentir uma diminuição da pressão de sua garra sobre minha mão direita, num giro de pulso, (que com certeza incharia pra caramba no mundo real) desferi um golpe traspassando a grossa e cheia de tendões asa direita da ave. Ela soltou o mais gutural e estrondoso som que jamais ouviria em toda minha vida, e talvez o último de qualquer tipo de som, pois como em uma sincronia mortal senti meus tímpanos estourarem dentro de meus ouvidos, e depois não ouvi mais nada.

Estava eu com uma dor insuportável no ombro perfurado pela garra do pterodáctilo, os ouvidos sangrando, mas ainda me mantinha firmemente apegado a minha espada que estava cravada na asa do monstro.Ele aumentava a velocidade do vôo em uma trajetória descendente e suicida em direção as rochas do promontório onde Jaq se encontrava. Senti em todos os músculos e terminações nervosas de meu corpo o impacto da ave gigante e me soltando do cabo da espada nesse exato momento mergulhei no mar revolto me livrando do mesmo destino trágico da ave em seu último vôo desgovernado.

Nadei de volta a superficie freneticamente e ao submergir vi a enorme ave num ângulo impossível esparramada entre as rochas, seu pescoço estava quebrado e seus olhos abertos e vidrados pareciam me acusar de sua morte violenta. Num acesso de exultação e instinto primário de sobrevivência soltei um urro de satisfação embora não escutasse meu próprio som de triunfo. Mas a Jaq escutou e sorriu por mim e pela minha vitória, lançando-me uma daqueles seus olhares penetrantes que deveriam ser patenteados. Caminhei trôpego em sua direção e quando vi seus lábios se mexerem sem ouvir nenhum som entendi um de seus medos que deveriam ser vencidos caso a quisesse libertar daquele mundo; na verdade o medo de quase toda adolescente: de não ser ouvida e ficar isolada no meio de um oceano de silêncio e indiferença por parte das pessoas que ama. Me aproximei vagarosamente dela, afagei seu lindos cabelos dourados, e li em seus lábios:

_Por favor, não me deixe aqui sozinha!!!

_Eu nunca vou abandonar você!!!_ bradei em alta voz visto que não conseguia controlar o volume devido a minha surdez momentânea.

_Mas ninguem me escutou gritar por socorro!!!!

_Eu sempre te escutarei e te salvarei quantas vezes forem necessárias!

A silenciei com um demorado beijo em seus lábios e senti o ar ser sugado em minha volta  e uma rápida e completa mudança de cenário: agora estava no meio do deserto, afundado em uma duna de areia até os tornozelos e sabia que deveria vencer outro dos medos de Jaq para libertá-la desse novo pesadelo.

O mundo era um imenso e árido deserto escaldado por um sol brilhante e implacável :deveria estar fazendo 40 graus à sombra(isto é: se eu tivesse sorte de encontrar alguma sombra nesse Saara de pesadelo). Eu já estava tendo vertigens não só devido ao calor excessivo, mas também pela perda de sangue que continuava profusamente de meu ferimento no ombro; meu senso de equilíbrio estava comprometido devido a minha surdez, e sentia uma dor latejante em meus ouvidos cada vez que respirava. Em outras palavras estava tudo menos preparado para um novo combate mortal, mas sabia que era o único jeito de tê-la de volta e não tinha a intenção de falhar. Como uma resposta a minhas preces, divisei na linha do horizonte um reflexo branco brilhante que eu já conhecia tão bem: o vestido branco de Jaq. Calculei que ela estava à uns 2 ou 3 quilometros ao norte da minha posição e iniciei a penosa caminhada em sua direção. Visto que quando estamos extenuados, a distância sempre parece maior do que o real, decidi caminhar olhando para o chão: só areia... branca de doer na vista... nenhuma marca, nenhum rastro. O tempo mudou de repente e o sol foi coberto por nuvens, enquanto ouvia um rugido crescente do vento.

_Que ótimo, uma tempestade só pra me ajudar!!!!!_ falei em voz alta e estridente embora não pudesse me ouvir.

A minha melhor companheira de odisséia já estava também nesse novo cenário desértico: a espada mágica, minha multiuso Excalibur, cravada para variar na única formação rochosa naquele mundo de areia. Caí de joelhos quando a alcancei e instintivamente a segurei pelo cabo com força, desta feita usando as duas mãos; fechei os olhos quase na mesma hora que a tempestade de areia me atingiu em cheio com seus ventos de mais de 100 km/h; fustigando meu rosto e me sufocando. O vento era tão forte que eu balançava meus dois pés livremente no ar enquanto me mantinha conectado ao cabo da espada, como se houvesse uma cola mágica que me impedisse de sair voando (talvez mais um dos truques do subconsciente de Jaq), embora não fosse poupado da dor excruciante de ter meus tendões e articulações completamente esticados e tensionados. Nesse caos consegui ainda coordenar meus pensamentos para entender esse novo medo de Jaq:

Seria medo de não ser vista, por isso a tempestade de areia cegante? Não, ela não seria tão superficial. Medo de ser sufocada por meu amor e não conseguir respirar em uma relação muito profunda como a nossa? Com certeza não... ela tentara se matar apenas por achar que eu gostava de outra pessoa, uma atitude que não condiz com alguém que procura seu próprio espaço... acreditem, quanto mais juntos fôssemos pra ela era melhor! Então qual seria esse medo desconhecido e tão terrível que ela fazia questão de guarda-lo a sete chaves em seu subconsciente e apenas acessa-lo em seus piores pesadelos?

A tempestade e os ventos cessaram, e o céu ficou limpo de novo como se nada tivesse acontecido ( nada que fosse muito estranho a quem viveu em Sampa por quase toda sua vida).Havia areia em doses excessivas em meu cabelo e rosto, e tinha gosto de sangue misturado com areia dentro de minha boca; acho que havia mordido a lingua quando estava fazendo força para não abrir a boca e morrer sufocado pela tempestade. Soltei o cabo da espada, que agora parecia enterrada apenas na areia ( a rocha fora encoberta), e limpei o melhor que pude meu rosto e cabelo. Girei meu corpo em um ângulo de 180 graus até achar  a nova localização de Jaq, dessa vez ela estava à sul de minha posição, porém mais perto... talvez um quilometro ou menos calculei. Dei alguns passos já preparado para novos desafios, e não fui decepcionado: de uma elevação de trás de uma das dunas surgiu à cavalo um estranho beduíno com trapos esfarrapados no corpo, brandindo uma lança de haste comprida que usou para me dar um golpe lateral. Senti uma nova dor explodindo em minhas costelas( creio que devo ter fraturado pelo menos 2 delas), e me abaixei em uma posição defensiva enquanto o beduíno daquele deserto infernal a meio galope fazia a volta com seu cavalo e investia novamente em minha direção. Dessa vez já preparado consegui saltar antes que o cavaleiro me acertasse com sua lança, porém ao levantar a cabeça em direção de onde Jaq estava vi uma tropa de mais 5 cavalos conduzidos por aqueles beduínos assassinos tampando a minha visão da mesma.

_Então cansou de brincar sozinho comigo e resolveu chamar toda sua família, seu desgraçado!!!_ gritei para o beduíno original. E visto que me encontrava surdo não esperava ouvir sua resposta.

“Preciso de uma arma!”, pensei e corri em direção a espada que me salvara no desafio anterior. Ela não estava lá onde a havia deixado após o final da tempestade de areia; em seu lugar havia uma espécie de coqueiro e sabendo que nada era aleatório naquele mundo, agilmente o escalei. Senti a vibração dos golpes repetidos no tronco da arvore e ao olhar para baixo vi que pelo menos 3 dos beduínos haviam desmontado de seus cavalos e com machados estavam tentando por a arvore a baixo enquanto impassíveis os outros dois me vigiavam cercando o perímetro galopando em semi-circulos com seus esplendidos cavalos árabes.

A arvore já estava cedendo, podia perceber sua inclinação e ao chegar ao topo dela encontrei minha nova arma:duas casas de vespas, sólidas e com perfeitas formas concêntricas. Sem  hesitar quebrei o seus finos galhos de sustentação e as duas caíram diretamente sobre meus lenhadores preferidos. Mas eles não se intimidaram com as picadas dos insetos, e terminaram o serviço de derrubar a arvore onde estava trepado.

Ao me chocar com o solo de areia tive a queda amortecida porém o peso do tronco quebrou meu tornozelo esquerdo. Urrei de dor e não escutei nada, como já era de costume, me lembrando da regra numero 1 me concentrei em olhar para o tronco que estava sobre minha perna me imobilizando por dez segundos, e ainda senti o vento de uma lança que passou rente a minha cabeça antes que eu fosse sugado para fora daquele pesadelo.

Estava de volta ao quarto de hospital onde passaria a noite ao lado de minha amada. Em algum ponto dessa mesma noite a Luciana havia despertado e devido a rejeição por parte de minha pessoa em seu sonho megalomaníaco fora embora sem se despedir. Estava ensopado de suor, com o ombro sangrando ainda e não podia firmar o pé esquerdo no chão. Me levantei e me escorando nos moveis do quarto dei uma olhada para minha bela e serena namorada adormecida na cama e disse:

_Calma, que eu não desisti ainda. Só vou me armar de forma mais pesada e depois voltarei para seu pesadelo..._ ou algo parecido, lembrem-se : eu não podia me ouvir.

Caminhei para a farmácia do hospital que já se mostrara tão útil para mim em outras vezes. Após recolher um frasco e duas luvas de tecido grosso e sintético fui em direção aos elevadores de serviço sabendo onde encontrar dois pares de correntes para completar meu arsenal particular:o porão no subsolo.

Minutos depois estava de volta ao quarto de Jaq, e ciente de uma regra básica no mundo da psicologia: inversão de métodos; adormeci tendo os objetos bem juntos ao meu corpo e se lembrando da regra numero 2:

“Nunca, em hipótese alguma traga algo de seu sonho para a realidade”.Não se dizia nada sobre o oposto: levar do mundo real para o mundo dos sonhos. Voltei para o pesadelo de Jaq e alguns detalhes haviam mudado: a arvore que me prendia ao chão sumira e os beduínos ( todos os seis), faziam um circulo protetor em volta de Jaq, a alguns metros a minha frente. Via apenas sua silhueta muita branca e brilhante devido aos raios de sol que incidiam em seu vestido em contraste aos escuros e opacos trajes dos cavaleiros beduínos. Aos meus pés se encontravam minhas novas armas: um par de luvas grossas,dois pedaços de corrente com pequenos arpões na ponta e um frasco de ácido sulfúrico. Coloquei as luvas e manuseando o frasco com cuidado  dei atenção a minhas armas mais antigas: as duas casas de vespas que estavam largadas no chão ainda intactas apesar da queda. Fiz um pequeno orifício em cada uma delas e colocando a boca do frasco de ácido nesses buracos observei fascinado os insetos resistentes daquele mundo de sonho mergulharem no líquido corrosivo e voltar obedientes para dentro de suas colônias. Encaixei os arpões nos orifícios que havia feito e estava pronta minha nova arma de destruição.

Me levantei de forma imponente como só aqueles campeões de guerras antigas faziam em filmes épicos e forcei meu pé esquerdo no chão. Cada passo que dava uma rajada de dor atravessava minha perna e subia por todo meu corpo. Todos os meus nervos protestavam de dor, porém eu os ignorava e continuava caminhando penosamente e mancando muito em direção a formação dos cavaleiros. Foi aí que percebi duas coisas de uma tacada só: eles tinham seus olhos costurados apesar de seu incrível senso de direção e também descobri nesse momento o medo de Jaq, o medo de que sua aparência física servisse como obstáculo as pessoas e impedir de que a amassem pelo o que ela realmente era.

Daí ela se proteger com cavaleiros que não podiam enxerga-la e eu que podia, sempre ser impedido de me aproximar dela justamente por essa razão. Sorri satisfeito com minha descoberta, fechei meus olhos e avancei começando a girar em círculos cada vez mais rápidos minhas duas correntes com as casas de vespas presas a ponta. Qual um Davi moderno atirei ao mesmo tempo as minhas fundas improvisadas e acertei os alvos em cheio. Com o impacto em seus peitos dois de meus inimigos caíram de suas montarias e uma nuvem de perigosos insetos com ferrões embebidos em ácido sulfúrico atacaram os beduínos. Não podia ouvir seus gritos mas sentia um grande deslocamento de ar enquanto eles se dispersavam e fugiam humilhados de nosso campo de batalha árido. Me orientando apenas pelo instinto continuei caminhando e senti o toque das suaves mãos de Jaq no meu rosto. O beijo veio em seguida e também senti algumas lágrimas molhando nossas faces. Murmurei de forma carinhosa:

_Não precisa mais ter medo: te amo não apenas por sua aparência, mas pelo que você é por dentro!

Nova sensação de queda num elevador em alta velocidade, e lá vou eu para outro estágio, um novo e desconhecido medo de Jaq que eu devo ajudá-la a superar. Este por sorte será o último...mas sabem o que falam dos últimos desafios, sempre são os piores...

Estou num prédio abandonado onde os ecos de goteiras no telhado e os clarões causados por flashes de luzes nas vidraças me indicam que há uma forte tempestade caindo lá fora. O ambiente está bem deteriorado e o ar se encontra impregnado com um cheiro de mofo e decomposição que faz meus olhos arderem.

Sinto uma dor lancinante do lado esquerdo de meu peito, e me surpreendo quando ao passar a mão de leve sobre ele sinto um relevo de uma grande cicatriz.Vejo uma fresta de luz por baixo de uma porta no lado oposto do andar e me dirijo à ela; não erro, pois se trata de um banheiro, com uma pequena pia e um espelho . Abro minha camisa e descubro uma  recente cicatriz em forma de cruz no meu peito, bem na altura de onde ficaria meu coração; os pontos cirúrgicos são rudimentares embora estejam firmes, com certeza feitos por um habilidoso cirurgião com poucos recursos médicos a disposição quando realizou a intervenção. Ouço um tênue batimento (nesse pesadelo, miraculosamente tanto minha audição foi restabelecida, como meus outros ferimentos sararam) e instantaneamente coloco a palma de minha mão direita sobre a cicatriz para auscultar, porém não é dali que o barulho provêem... não há nada dentro de meu peito. Giro meu corpo num ângulo de 30 graus a minha direita e encontro uma mesa com uma pequena caixa de música semi-aberta sobre ela. Dentro da caixa está um coração saudável que inexplicavelmente continua batendo apesar de estar fora de um corpo.

Estamos no mundo dos sonhos e certas coisas são simplesmente misteriosas demais para tentar entendermos. Aprendi que tudo aqui tem um significado especial ou metafórico, e apenas tento seguir o script. Pego a caixa com cuidado, e a levo comigo para fora daquele banheiro parcamente iluminado. Procuro uma porta e uma possível rota de saída daquele andar vazio. A chuva ainda castiga a noite lá fora e o barulho do vento nos umbrais me lembram o grito de agonia daquela ave gigante que enfrentei no outro pesadelo de Jaq. Este com certeza é o cenário mais sombrio e com clima de terror de todos os pesadelos que já tive em minha vida; devo admitir que a mente de Jaq é um universo terrível de medos inconfessáveis que merecia um estudo a parte de Jung e outros psicanalistas importantes. Chego a um corredor comprido, iluminado por pequenas lâmpadas de 50 watts espaçadas uma da outra em cerca de um metro,cujo final não consigo enxergar; vou caminhando vagarosamente rumo ao desconhecido, enquanto percebo que o batimento cardíaco dentro da caixa que carrego aumenta de velocidade e força perceptivelmente; faço uma pequena experiência, dando uma meia-volta e fazendo o trajeto no sentido contrário: e bingo!!!! O coração diminui seus batimentos. Percebo então que naquela realidade meu coração fora do corpo serve como uma espécie de rastreador, e não é preciso ser nenhum gênio para saber o que ou quem meu coração apaixonado está rastreando: a Jaq, com certeza!

Refaço meu caminho em busca de meu grande amor, dessa vez rapidamente, não me importando com os desafios desconhecidos que com certeza encontrarei naquele corredor misterioso.Bem o comprimento dele já se mostra um desafio, pois quanto mais rápido eu ando mais ele se prolonga a minha frente, parecendo não ter final.Nesse momento ouço pequenas explosões que logo identifico como sendo das lâmpadas que uma a uma se apagam a minha frente no sentido inverso ao meu trajeto como se a escuridão viesse ao meu encontro.

Estou completamente só no escuro agora e apenas ouço duas coisas: o barulho de minha própria respiração e o Tum-tum do coração na caixa. Qualquer coisa pode me pegar desprevenido e eu nem poderei me defender;instintivamente fecho a caixa de música e a coloco em uma posição defensiva junto ao meu corpo num abraço simbólico (os dois braços cruzados na altura do peito). Algo passa sibilando pelos meus ouvidos e sinto um leve roçar de asas em minha cabeça. Não se trata de um, mas sim de vários, creio que morcegos dando vôos rasantes em torno de mim naquele corredor esquecido por Deus. Um deles pousa em meu ombro e morde com vontade o lóbulo de minha orelha direita ; eu com fúria e dor misturados num coquetel explosivo me jogo de lado com toda força esmagando meu agressor e quebrando seu pequeno pescoço na sólida parede daquele corredor. Corro com toda velocidade possível, sem medo de me chocar a nada ou ninguém enquanto sou repetidamente atacado e mordido pelos malditos morcegos...

(Enquanto isso, no mundo real)

Junior e os outros haviam adormecido dentro do Minamovel, na noite anterior quando estavam se preparando para ir embora do hospital. Visto que o carro ficara estacionado no fundo do pátio da administração onde estava havendo uma reforma, e agora já era manhã de domingo, quando o quadro de funcionários fica reduzido, ninguém achara os adolescentes inconscientes dentro do veiculo. O carro por orientação do primo do Junior estava entre uma caçamba e alguns andaimes, e ficara escondido de observadores num raio de 50 metros. A conexão entre o grupo era forte o suficiente para traga-los para dentro do mundo dos sonhos. Junior estava tendo seu pesadelo recorrente, onde era um foragido da justiça perseguido por policiais corruptos que tentavam liga-lo a um crime falso cometido por mim. Andrea, que sempre tivera problemas psicológicos em sua família, sonhava com doutores que a mantinham num hospício onde eu estava supostamente catatônico e alienado.Ambos eram meus amigos e tentavam de alguma forma provar a minha inocência e me ajudar a encontrar a Jaq. Mais de 14 horas haviam se passado desde que conversamos pela última vez no quarto de Jaq. Era o momento perfeito, e numa sincronia orquestrado pelo Mestre, os nossos sonhos convergiram como afluentes que desembocam em um rio de proporções amazônicas. No mundo dos sonhos o nosso Amazonas era com certeza o pesadelo de Jaqueline.

Com um suspiro alto e coletivo todos os 3 ocupantes do Minamovel se conectaram e foram sugados para dentro do pesadelo maior, onde eu já estava...

(De volta ao mundo do pesadelo)

Uma luz forte se fez então e com silvos e guinchos, os meus agressores da escuridão se dispersaram. Parei de correr ao ouvir alguém sussurrando meu nome no fim do corredor. Reconheci prontamente a voz e respondi:

_É bom ouvi-la de novo Sandrinha!

_Caramba estava tendo um pesadelo horrível... e acordei aqui nesse lugar estranho com essa lanterna potente nas mãos...

_Deixa eu adivinhar: seu pesadelo era com morcegos, correto?

_Sim, sempre foi o meu pior medo , desde que um filhote me atacou no porão da casa de minha avó quando eu era pequena.

_Pois você terá que superá-lo hoje se quiser sair daqui com vida!

Estendi as mãos e disse:

_Feche os olhos, e venha até mim. Pode confiar, vamos encontrar juntos uma saída desse pesadelo...

Ela que como os outros da turma sempre me reconheceu como um líder nato, fechou os olhos e veio caminhando em minha direção. Novamente um facho de luz apareceu do nada (tenho certeza de que o subconsciente de Jaq tinha a ver com isso) e dispersou os morcegos, deixando livre o caminho entre a Sandra e eu. Nos encontramos mais ou menos no meio do corredor, e felizes como crianças nos abraçamos.

_ E onde estão os outros?_ me perguntou de forma animada a morena.

Nesse momento, minhas costas se retesaram e eu me afastando do abraço, perguntei:

_ Se você estava tendo um pesadelo e acordou nesse lugar estranho, por que você deduz que os outros nossos amigos também estão aqui?!? E desde quando havia porão na casa de sua avó?_ pois nesse momento havia acabado de me lembrar que já havíamos brincado quando mais jovens na casa de sua avó, e não havia nenhum porão.

_Eu não consigo enganá-lo, não é mesmo? Mas será que consigo feri-lo? Acho que sim..._ me disse a pseudo-Sandra já com voz alterada e se afastando alguns passos para trás. Sua forma física modificou instantâneamente, como só era possível nos sonhos, e garras de metal como as do Freddy Kruger apareceram onde deveriam ser suas mãos e num movimento rápido ele me feriu no peito abrindo parcialmente os pontos cirúrgicos de minha improvisada operação cardíaca.

Enquanto protegia a caixa com o coração na mão direita, usei a minha esquerda para estancar o sangue que brotava de minha nova ferida. Me esquivei de meu atacante e entrei em uma bifurcação do corredor que dava para um amplo salão com teto em forma de abóboda revestido de grandes vitrais coloridos com símbolos e letras de uma língua antiga qualquer. Atrás de mim ouvi sua gargalhada ressoar e ser amplificada pelo efeito de eco nos corredores daquele labirinto onde o terceiro medo de Jaq reinava como soberano absoluto. Seria este o medo de ser traída pelas pessoas que mais confiava e amava: seus amigos?

O estranho que se auto intitulava o “Mestre”, começou a cantar uma liturgia num idioma profano e as letras e símbolos nos vitrais do teto começaram a brilhar de uma forma assustadora. Vi quando uma pesada gota de meu sangue caiu no chão e num efeito especial fantástico se expandiu e abriu um buraco do tamanho de uma moeda grande. Novas gotas caíram e foram se juntando aumentando a largura do buraco no chão... me afastei instintivamente e trouxe comigo uma grande rachadura que se abrira conforme meu sangue caía no piso do salão.

Minhas forças estavam me abandonando gradualmente e pontos escuros surgiam em minha visão periférica... me encostei numa coluna central e gritei com voz abafada:

_Este é seu grande plano para acabar comigo agora? Abrir buracos no chão usando meu próprio sangue?

_Não ! O que virá de dentro desses buracos é que são meu grande plano!

Uma estranha luz mortiça se fez de dentro desses buracos no chão, e tentáculos tão grossos quanto um braço humano brotaram das rachaduras e num frenesi cego e furioso passaram a golpear o espaço vazio. Não percebera que um tanto considerável de sangue havia escorrido de minha ferida e atingido o chão entre minhas pernas dobradas. Ali se formara uma brecha de onde um tentáculo imergiu e se enrolou em minha perna direita. Senti ventosas sugando por sobre meu jeans e queimando como ácido de bateria. Dei um urro de medo e surpresa e passei a me arrastar pelo chão na direção oposta aos outros tentáculos; porém o que estava preso a minha perna não afrouxou o aperto e me manteve praticamente no mesmo lugar, fazendo movimentos que lembrariam um nadador dentro de um rio tentando ir contra a correnteza sem sucesso...

(tempo atual, mundo “real”)

Estou a quase 15 dias sem escrever uma linha desse meu conto autobiográfico... não sei o que acontece na vida de vocês, meus caros e fiéis leitores, mas na minha muita coisa acontece que não deveria acontecer:contas que vencem,ex-mulher que reclama de quão pouco dinheiro eu dou para ela(porém faz pouco ou nenhum esforço para arranjar um emprego),filho com problemas na pré-adolescência,etc..., espero que não esteja entediando vocês com esses meus probleminhas tão comuns, porque eu já estou bem entediado e quase desistindo dessa tal “vida real”.

Me resta então pouca energia e tempo para escrever minhas memórias, e devo confessar que as vezes penso em abandonar esse conto pela metade e deixar vocês órfãos de um final digno. Trata-se organicamente de ser adulto: esquecer os monstros, medos e amores impossíveis de nossa puberdade, e simplesmente seguir adiante. Só que eu prefiro ir na contra-mão da normalidade, e continuar eternamente adolescente (mesmo que seja apenas na maneira de pensar), e voltar a lhes relatar o que aconteceu de extraordinário em minha vida, e quem sabe com isto trazer um sopro de juventude e felicidade à um mundo já tão triste e mecânico como o nosso.

LEMBREM-SE DESSA MÁXIMA:QUANDO O MUNDO NÃO É O QUE ESPERAMOS QUE FOSSE,VAMOS SONHAR COM O MUNDO EM QUE QUERÍAMOS VIVER!

( enquanto isso no mundo dos sonhos)

Pensei rápido e pegando um dos inúmeros cacos de vidro que estavam espalhados pelo chão do salão misterioso cravei-o com vontade no tentáculo que estava preso a minha perna, e num movimento de corte transversal o parti libertando minha perna. Ainda atordoado e rastejando pelo chão vi com meu campo de visão reduzido um vulto  se esgueirando pelos cantos, atrás das colunas e o identifiquei como meu inimigo; parece que o tipo de magia que ele evocava naquele pesadelo específico precisava além de sua presença física de uma liturgia que ele murmurava em voz cavernosa e até com um certo ritmo de música de igreja.

Já acostumado com as loucuras daquele mundo insano e sua lógica de contos de fadas ( e sabendo que tudo no sonho trata-se de um arquétipo da realidade que precisa ser interpretado), considerei 3 fatos interessantes que acabara de perceber:

1.    TODA MAGIA ALI ERA COMANDADA POR MÚSICA

2.    ENQUANTO MEU INIMIGO MANTINHA-SE OCUPADO COM SUA INVOCAÇÃO, ESTAVA VULNERÁVEL COMO NUNCA ANTES ESTEVE.

3.    A JAQ ALÉM DE SER UMA GRANDE CANTORA ,TAMBÉM SE ARRISCAVA A COMPOR.

Me levantei e com uma força que julgava já não ter gritei aos sete ventos:
_Jaq, meu amor, eu sei que você está aprisionada em algum lugar desse maldito pesadelo... eu vim aqui para buscá-la e levá-la comigo de volta. Recomeçarmos de onde paramos, corrigirmos nossos erros e principalmente não deixar que ninguém deste ou de outros mundos nos separe de novo..._ minha voz já estava falhando, e ao olhar para meu inimigo vi pela primeira vez nos seus olhos algo parecido com medo enquanto ele me encarava à alguns metros de distância; mesmo rouco continuei:
_ Você sempre quis compor uma canção e até chegou a pedir minha ajuda, devido a minha facilidade com as palavras... está na hora de compormos juntos uma canção que fale de nosso amor, e só conseguiremos isto abrindo nossos corações!!!

Nesse momento, peguei a pequena caixa de música que carregava a tiracolo e não estranhei quando uma gota de meu sangue que continuava a escorrer pelo lado esquerdo de meu torso ao entrar em contato com a fechadura da mesma fez um pequeno clique indicando sua abertura. Dentro dela vislumbrei um coração que batia compassadamente. A sala se encheu de luz e vi a garota que mais amava nesse e em todos os mundos que possam existir aparecer tão linda, pura e etérea sempre vestida com seu indefectível vestido branco de princesa de conto de fadas.

Ela sorriu para mim embora lágrimas escorressem de seus lindos olhos azuis; e foi uma de tais lágrimas que destrancou a caixa gêmea que ela tinha nas mãos. Ao estender em minha direção , pude ver que também havia um coração pulsante na mesma, e consegui vislumbrar uma marca rubra no lado esquerdo de seu peito que indicava que ela também recebera a mesma estranha cirurgia de peito aberto que eu. Nesse pesadelo em específico parecia que ela estava impedida de falar por isso apenas olhou para cima onde miraculosamente os vitrais passaram a se reconstituir e qual a minha surpresa quando nos mesmos ao invés dos antigos sinais profanos da liturgia negra que o Mestre usava contra nós havia cifras e notas musicais de uma nova e bela canção de amor que a Jaq acabara de compor sobre o nosso amor, só cabia a mim que tinha a voz lhe dar letra, e ela ficou exatamente assim:

Tom: A

                              

(intro 2x)  F#m Bm E F#m

 

F#m

  Você é assim,

Bm

  Um sonho pra mim

E                     F#m

  E quando eu não te vejo

 

Eu penso em você

Bm

  Desde o amanhecer

E                   F#m

  Até quando eu me deito

 

          Bm

Eu gosto de você

E          F#m

  e gosto de ficar com você

            Bm

Meu riso é tão feliz contigo

E                F#m

  O meu melhor amigo é o meu amor

 

E a gente canta

Bm

  E a gente dança

E                   F#m

  E a gente não se cansa

 

De ser criança

Bm

  Da gente  brincar

E                   F#m

  Da nossa velha infância

 

            Bm

Seus olhos meu clarão

E           F#m

  Me guiam dentro da escuridão

            Bm

Seus pés me abrem o caminho

E            F#m

  Eu sigo e nunca me sinto só

 

Você é assim,

Bm

  Um sonho pra mim

E                     F#m

  Quero te encher de beijos

 

Eu penso em você

Bm

  Desde o amanhecer

E                   F#m

  Até quando eu me deito

 

          Bm

Eu gosto de você

E          F#m

  e gosto de ficar com você

            Bm

Meu riso é tão feliz contigo

E                F#m

  O meu melhor amigo é o meu amor

 

A gente canta

Bm

  A gente dança

E                 F#m

  A gente não se cansa

 

De ser criança

Bm

  Da gente  brincar

E                   F#m

  Da nossa velha infância

 

            Bm

Seus olhos meu clarão

E           F#m

  Me guiam dentro da escuridão

            Bm

Seus pés me abrem o caminho

E            F#m

  Eu sigo e nunca me sinto só

 

Você é assim,

Bm                 E          F#m

  Um sonho pra mim, você é assim...

Uma música simples mas que falava de nosso amor da melhor maneira possível. Como todas as idéias geniais que temos em nossos sonhos e não anotamos quando acordamos, tanto eu como a Jaq nos esquecemos totalmente dela quando despertamos. Melhor para os Tribalistas... mas isso já é outra história!

O Mestre vendo que estava sendo vencido no seu próprio jogo se desesperou e interrompendo sua cantoria veio em minha direção e de forma rápida e extremamente violenta desferiu um golpe em minha caixa de música derrubando-a no chão, cai de joelhos e ao recolher a caixa percebi que ele havia cravado no coração um pedaço de vidro. Estranho foi que não senti nada, mesmo tendo recebido aquele golpe fatal em meu suposto coração, os vitrais se espatifaram com um barulho ensurdecedor e mais uma chuva de cacos de vidro caíram sobre nós no processo. Instintivamente olhei em direção a minha amada e a vi caída com a mão sobre o peito, e foi o movimento leve porém ritmado de seu pé esquerdo que fez finalmente cair minha ficha, e entender o seu terceiro medo:

MEDO DE ENTREGAR SEU CORAÇÃO À PESSOA AMADA E TER O MESMO MACHUCADO, FAZENDO COM QUE SEUS SENTIMENTOS PUROS MORRAM DE VEZ!

Sim durante todo aquele tempo fora o coração dela que eu carregava comigo... afinal de contas não é assim que deve ser quando amamos; e não soubera o proteger como deveria. Mas se eu estava com o coração dela em meu poder, não precisava ser nenhum gênio pra saber onde estava o meu coração naquele momento: na caixa de musica que ela ainda tentava segurar apesar de estar morrendo. Ignorando os gritos histéricos do Mestre que me amaldiçoava em  pelo menos 3 idiomas diferentes, recolhi com cuidado o coração ferido de dentro de minha caixa e rapidamente o levei até onde a Jaq estava deitada. Ela me olhava com um jeito triste enquanto um filete de sangue arterial escorria pelo canto de sua boca.

_Você não vai morrer meu amor aqui nesse mundo perdido e esquecido por Deus, pois nosso erro foi sempre individualizar nossas pessoas, quando sabemos que o verdadeiro amor nos deve tornar um só, em corpo, alma e coração...

E nesse instante sublime fiz a coisa mais maluca de minha vida, e a melhor... pois afinal de contas o que fazemos por amor é sempre o melhor que podemos fazer nessa vida: aproveitando a ponta livre do caco de vidro cravado no coração de Jaq perfurei o meu próprio coração e senti algo explodindo dentro de meu peito , uma dor terrível porém maravilhosa. Ambos os corações ao se tocar por sob a lâmina de vidro passaram a pulsar mais rapidamente e se fundiram em um só numa osmose perfeita expulsando o corpo estranho no processo. O caco caiu ao chão , e o silêncio que se fez naquela sala maldita era tão profundo, que conseguimos ouvir seu tilintar ecoar como uma árvore que cai em uma floresta.

A Jaq se recuperou miraculosamente e juntos, segurando o novo coração fundido entre nossas mãos ,nos levantamos . O Mestre agora mais enfraquecido, porém ainda com muito ódio declarou enquanto vinha em nossa direção:

_Muito bonito este papo de amor ,coração,alma e blá,blá,blá... mas vou interrompe-los e matá-los agora mesmo!

_Este sonho é seu Jaq, não acha que é hora de terminá-lo?_ perguntei olhando para os claros e brilhantes olhos da garota que mais amei na vida.

_Sim, afinal de contas você superou todos os desafios e acabou com meus principais medos!

_E nesse elevador tem lugar pra mais um?_ perguntei indicando num gesto de cabeça o Mestre.

_Claro que sim, querido; isto aqui é um coração de mãe, sempre cabe mais um!

Com nossos braços esquerdos estendidos agarramos o Mestre, enquanto segurávamos firmemente com nossas mãos direitas o nosso coração. A característica sensação do ar se evaporando a minha volta mais um certo frio na barriga indicava que estávamos saindo daquele pesadelo interminável... o que me lembro até hoje é da expressão aturdida de surpresa no rosto do Mestre, e pra falar a verdade pra vocês pela primeira vez ele não me pareceu nem um pouco assustador. Mais parecia um garoto assustado e sem compreensão da vida e de tudo que acontecia ao seu redor. Sim ele se parecia comigo, na verdade era uma caricatura de um eu fraco e retraído que sempre me atrapalhara com sua negatividade. Vocês devem saber do que estou falando; afinal de contas quem não têm um inimigo dentro de sua própria mente sempre disposto a fazer nossos sonhos em pedaços e dizer-nos que não podemos ou não vamos conseguir,etc...

(Mundo real, sala do hospital onde Jaq estava internada)

_Por que me trouxeram aqui? Não sabem que posso manipular a realidade e voltar ao mundo dos sonhos quando quiser?_ perguntou de forma arrogante aquele que se auto-intitulava o Mestre quando se materializou em nosso plano .

_Não, você não pode mais! Olhe o que está em sua mão direita!Ele viu aterrorizado um belo de um pedaço de vidro colorido que segurava firmemente, empunhando como uma arma e se lembrou da principal das regras sobre o Mundo dos Sonhos: Nunca, em hipótese alguma traga algo de seu sonho para a realidade.

Como sobre o efeito de uma descompressão instantânea ele passou a inchar e enquanto seus olhos ficavam vermelhos devido aos vasos hiper-dilatados que explodiam dentro de sua cabeça ele me lançou um último e mudo olhar malevolente de ódio, antes de que sua presença se desmaterializasse de uma vez por todas nessa e espero em todas as outras realidades existentes no Universo.

Eu ainda segurava a mão de Jaq embora ela se encontrava ainda em coma deitada na cama de hospital. Estava exausto porém feliz, e sentei-me na cadeira repassando mentalmente minhas incríveis aventuras pela próxima meia hora, nem percebi quando adormeci.

(enquanto isso, numa dimensão paralela do mundo dos sonhos)

 

Há um grande lago onde ficam as idéias da humanidade, um repositório de todas as grandes músicas,livros e obras de arte que ainda não foram “criadas” no mundo real. Ali na margem dá pra se ver meu alter-ego do futuro (o meu lado positivo, se preferirem) colocando um origami de papel que magicamente desliza por sobre as plácidas águas do lago. Alguém que está com água até a cintura, mais adiante recolhe o origami e ao abri-lo, um sorriso ilumina seu rosto. Esse alguém é Arnaldo Antunez tendo um sonho em 2002, um sonho que formou um grupo, um grupo que compôs uma música, o resto é história...

 

( de volta a sala branca)

 

Estou naquela sala com um sentimento de dejavu, e observo um poema escrito na parede que me faz pensar:

 

 

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!


Rudyard Kipling


E depois outra frase dita por alguém famoso que não me recordo:

 

 

 

Mas acreditar que o mundo não é ruim é enganar a si mesmo, como acreditar nas chamadas certezas, que de fato não são mais que ilusões compartilhadas.

_Vejo que gostou de minhas palavras preferidas que uso em meu mural?_ me perguntou meu alterego do futuro enquanto me indicava um sofá confortável para que me sentasse.

_Meio erudito demais pro meu gosto, mas quem sou eu para julga-lo, não é mesmo viajante do futuro?

_Na verdade prefiro me ver apenas como seu lado racional, uma espécie de consciência.

Deixa eu ver se te entendi: você é uma espécie de grilo falante das histórias de Pinóquio, e eu sou o estúpido

boneco de pau que quer ser gente, certo?

_Mais ou menos isso; você ou devo dizer eu no passado, sempre tive uma facilidade enorme em explicar as

coisas mais complicadas com termos fáceis da cultura pop. Sim eu sou apenas uma projeção de sua mente

consciente. Você ( que se tornará o maior cientista da história) inventará uma máquina que separa a razão da

emoção no futuro. Eu sou a sua consciência em versão viva e em 3D. E voltei do futuro para ajuda-lo com seus

inúmeros problemas, todos causados pelo seu pior( e meu também) inimigo: você mesmo.

_Eu sou o Mestre também?!? Meu Deus é por isso que eu nunca conseguia ver o seu rosto sempre oculto por

sombras ou mascaras... apenas aqueles malditos olhos vermelhos!

_Sim você sou eu (sua consciência que tenta sempre ajuda-lo a salvar o mundo e a si mesmo)_, mas ao separar

a razão da emoção houve um efeito colateral: um outro alterego se formou, um outro você sem limites e

totalmente guiado por emoções. Um cara com habilidades fantásticas de entrar nos sonhos de outras pessoas

e manipular seus medos mais íntimos em forma de pesadelos mortais.

_Só me esclarece uma coisa: eu acabaria com o mundo 2 vezes?!?

_Sim, a primeira abrindo vórtices de viagens no tempo para mudar o passado e salvar a vida de Luciana. Na

segunda vez, para acordar do coma a Jaqueline criando um meio de entrar nos sonhos das pessoas. Duas

realidades alternativas que por um paradoxo temporal só foram possíveis acontecer uma como efeito dominó

da outra. Com o passado reescrito seu foco amoroso mudou e ambas foram ao seu tempo o grande amor de

sua vida...

_Então numa terceira realidade eu separo a minha razão da emoção e volto no tempo para me treinar como

um Mestre Yoda que ao mesmo tempo é um jovem Jedi...

_Exatamente, e aproveitando sua alegoria de Star Wars: seu alterego do mal é um Darth Vader.

 

_E você está me contando tudo isso por que...

_Estamos no quarto nível, um lugar muito especial e poderoso no inconsciente coletivo da humanidade. Aqui a

matéria de todos os sonhos é criada... aqui poderemos de uma vez por todas acabar com esse circulo vicioso

de linhas temporais múltiplas que começam em seus romances impossíveis e sempre terminam com o mundo

indo para o ralo. Você lembra das regras numero 9 e 10 do manual do viajante dos sonhos?

_Sim: posso apagar memórias desagradáveis e o nome daquela doença estranha de quem não sonha...

_Resumindo é mais ou menos isso mesmo; só tem alguns detalhes interessantes: você pode apagar as

memórias de todo o grupo de pessoas que se conectaram contigo no mundo dos sonhos e não se trata de uma

doença é mais uma condição neurológica congênita. Você,todos seus amigos(Junior,Andrea e Sandra), e seus

dois amores (Luciana e Jaq)se esquecerão de tudo que houve após 13 de fevereiro de 1987 até esta

noite.Além disso você nunca mais sonhará de novo (ou pelo menos se lembrará disso) impossibilitando sua

habilidade de manipular sonhos.

_Isso significa que eu nunca terei me apaixonado pela Jaq, que nós nunca vivemos ou sentimos tudo isso que

tornou possível chegar a esse nível mais profundo dos sonhos. Minhas lutas, nossos beijos e nossos planos se

tornando nada...uma lembrança apagada...

_Ou vendo por outro lado: suas dores, seu amor impossível, suas decepções todos apagados e não lhe

causando mais nenhum problema ou sofrimento adicional. E o mais importante: dessa vez definitivamente o

mundo não vai mais acabar por causa de seu “primeiro” amor!

O eu racional ainda cita Sartre para lembrar a angústia do ser livre. Segundo o filósofo o Homem não é nada, enquanto não fizer de si alguma coisa. É o próprio homem quem constrói o seu caminho. O homem é livre. E esta obrigação de ser livre é o que gera a angústia. Esse excesso de poder sobre si mesmo gera medo, pois escolher por uma coisa significa dizer não a todas as outras opções e o homem não quer esta responsabilidade sobre si mesmo. E mesmo que esta pessoa decida deixar sua vida fluir, não tomando posse do seu destino, a escolha também já foi feita, mesmo que tenha sido a escolha de se abster de escolher. Mas retomando a pergunta: ‘Escolha define identidade?

 

_Você tem idéia do que está pedindo para eu abrir mão? Depois de todo o sangue derramado por esse grande amor que eu e a Jaq sentimos um pelo outro? Depois de toda essa jornada pelo mundo dos sonhos?!?

_E por acaso você ainda não entendeu a razão principal de toda essa jornada?

_Não, com certeza não entendi, por que você ( minha Razão) não me explica?!?

_APRENDER A ABRIR MÃO DAS COISAS QUE SÃO IMPOSSIVEIS,DESISTIR DAS CAUSAS PERDIDAS, VIVER E DEIXAR AS PESSOAS QUE SE AMA VIVEREM E SEREM FELIZES SEM A NOSSA INTERFERÊNCIA. Isto foi o que sempre significou sua jornada!!!_ me declarou em voz enfática meu sábio conselheiro, meu eu mais Racional.

Você já amou uma mulher? Sentiu em cada osso do corpo a dor quando  teve que abandona-la? Você já mergulhou de cabeça num amor impossível, em que todos lhe diziam que ia acabar mal, e no fundo você também sabia disso, mas mesmo assim investiu todo seu ser nessa relação, e quando acabou o que restou de você não valia mais a pena: porque tudo que era bom você gastou com a mulher que amava?

Foi assim no meu caso, e eu não me arrependo. Ela valeu cada dor, lágrima derramada e noite mal dormida que tive pensando nela.O que me aconteceu, minha queda em desgraça dentro da vida ordinária, se quiserem, foi culpa minha. Ela não me enfeitiçou, essa é uma mentira romântica para justificar a queda. Ela era um oceano e eu tive que nadar em seu interior. Isso tem algum sentido? Tinha me dedicado muito na vida, no mundo sólido da realidade, e estava cansado dele. Ela era líquida, como um mar sem fronteiras contido em um só corpo, um dilúvio em uma casa pequena, e eu me afogaria nele, se tivesse a oportunidade. Mas foi minha decisão. Fique claro. Sempre foi. Decidi ir a seu encontro neste mundo estranho, e estar com ela pela última vez, antes do apagamento de minha memória. Decidi isso livremente.

E que homem não o faria? Ela era (é) sublime.

 

O cenário mudou. Sai as paredes brancas e estéreis da sala com lareira onde meu alterego me aconselha em nossas reuniões de autocrítica, entra uma praia deserta e belíssima em algum lugar remoto do mundo. As ondas se chocando contra o rochedo na linha do horizonte, a areia branca, o céu impossivelmente azul e você caminhando em minha direção, etérea e perfeita como só você consegue ser. (essa parte eu escrevo como um bilhete de despedida em primeira pessoa para meu grande e único amor: Jaq).

Você sorri , eu tento mais não consigo. Um nó se faz em minha garganta e eu antecipo a dor de ter que contar a você os detalhes mais importantes da conversa que tive com minha Razão... e a decisão irreversível que tomei. Você apenas me abraça, sei que é nosso último; as primeiras lágrimas escorrem pelo meu rosto e molham seus lindos cabelos, estas infelizmente não serão as últimas que derramarei por você, por nós, por tudo que poderíamos ter vivido; pelo nada que viveremos daqui pra frente.

_Eu sei... vi em seus olhos quando cheguei nessa praia deserta. Não fale nada, não estrague nosso momento perfeito._ você me disse com voz suave, porém falhando em meio a seu esforço pra não chorar._ eu também aprendi muito em toda essa jornada: devemos ser fortes e continuar nossas vidas. Não faço idéia de como vou conseguir esquecer você e nem quero , mas se esse é o preço para manter o mundo seguro, fazer o que?

Levantei seu belo rosto que estava recostado em meu peito, segurando seu queixo com delicadeza como sempre fazia e olhando bem no fundo de seus olhos disse:

_ Você não tem nem idéia do que estou abrindo mão e quanto isso está doendo em mim, no meu coração...

_Sim, eu tenho idéia: você está lembrado que nosso coração é um só?_ me disse em meio a um triste sorriso fazendo alusão a nosso último desafio no mundo de seus pesadelos.

Nos viramos, ainda abraçados para o oceano e observamos em silêncio o mais esplendido por-do-sol de nossas vidas. Instintivamente sabíamos que era nosso ultimo momento juntos e estávamos resolvidos a torná-lo imortal,único e singular. Sem despedidas,sem promessas não realizáveis, sem arrependimentos... assim seria este nosso momento sublime.

Nossos dedos entrelaçados, nosso olhos fixos na linha do horizonte e uma certeza em nossos corações:

NOSSO AMOR NÃO TERMINA AQUI... NOSSO AMOR É ETERNO.

Cantamos juntos uma canção que espelhou tudo que sentimos naquele momento; mais uma de nossas composições perfeitas no mundo dos sonhos que não nos lembraremos quando acordarmos:

Voe por todo mar e volte aqui
Voe por todo mar e volte aqui
Pro meu peito...

Se você for, vou te esperar
Com o pensamento que só fica em você

Aquele dia, um algo mais
Algo que eu não poderia prever
Você passou perto de mim
Sem que eu pudesse entender
Levou os meus sentidos todos pra você

Mudou a minha vida e mais
Pedi ao vento pra trazer você aqui
Morando nos meus sonhos e na minha memória
Pedi ao vento pra trazer você pra mim

Vento traz você de novo
O Vento faz do meu mundo um novo
E voe por todo o mar e volte aqui
E voe por todo o mar e volte aqui
Pro meu peito...

 

(e dá-lhe Jota Quest, uns 12 anos depois)

O cenário está mudando novamente, nossas sombras projetadas na areia branca dessa praia idílica aumentam e se confundem com a escuridão que cai na noite que chega... você já não está mais ao meu lado; estou sozinho em meio as trevas da noite ... minha luz se foi pra sempre; você era minha luz, minha vida, como posso continuar respirando sem você por perto?

As trevas chegam a minha mente, tocam suas memórias, tentam apagar com seus dedos negros e esquálidos os nossos melhores momentos... luto contra isso com todas as minhas forças... trata-se de uma batalha perdida... sou um soldado de muitas guerras antigas, eu sei disso.

Acordo em meu quarto sozinho numa resplandecente manhã de sábado. Chorei enquanto dormia , mas por estranho que pareça não me lembro do sonho que tive essa noite... tenho que me preparar para o show de despedida no Taubaté country clube do RPM. Será hoje a tarde e apenas eu e meus melhores amigos iremos no Minamóvel pegaremos estrada para assisti-lo. Será que encontrarei a Luciana lá? Ela é fã numero um da banda que está se desfazendo; não sei por que não estou assim tão empolgado em vê-la... acho que meu amor platônico já era.Inexplicavelmente a Jaq  me ligou dizendo que não vai, estranho ... fiquei triste, talvez mais do que devia...mas ela sempre foi uma garota meio instável e por ser a mais nova seria muita responsabilidade leva-la conosco nesta nossa pequena viagem. Melhor assim, eu acho...

 RPM no Taubaté Country Club (1987)
Paulo Ricardo tenta a todo custo denegrir sua própria imagem o tanto quanto pode (e agora volta a cuspir na escultura com o lançamento da biografia de título infame “Revelações Por Minuto”), mas é impossível não baixar a cabeça e considerar como marco a turnê “Rádio Pirata ao Vivo”, que sacudiu o país na segunda metade dos anos 80 rendendo o disco de rock mais vendido de todos os tempos em terras brasilis. Eles tinham passado pela cidade com o bom show da turnê anterior um ano antes, mas em 1987 eles eram outra banda, outro negócio, algo mais cabeça e profissa. O começo – com a introdução de tecladeira de “Revoluções Por Minuto” – é claro na memória até hoje assim como a imagem de meninas chorando compulsivalmente na platéia. Acho que foi o mais próximo que estive da beatlemania.


(1989)

 

 

“Este abraço esta deixando tudo mais difícil. Sentir o cheiro de seu cabelo á roçar no meu rosto, está tirando meu ar. Te amar sempre me matou por dentro, e agora ainda mais pois sei que nunca poderemos ficar juntos, e tenho que mentir que só quero sua amizade.

O movimento de suas mãos em minhas costas estão me provocando arrepios e me queimando como se eu estivesse entrando em combustão espontânea.Não, você não pode notar, que minha voz esta embargada, que meus olhos estão cheios de lagrimas represadas prontas a inundar minha face..

Você não deve perceber que eu minto olhando em seus olhos;que eu sinto uma dor quase insuportável em meu peito , toda vez que nossos caminhos se cruzam.

E agora aqui estou totalmente indefeso, mais um derrotado pelas emoções, mas um vencido nesse campo de batalha que chamamos de amor. Mas hoje é seu dia , e eu te amo tanto que não quero estraga-lo com minhas emoções quase incontroláveis, assim suporto a tortura de seu abraço, talvez um pouco apertado demais, e com certeza mais longo do que naturalmente deveria ser. Somos interrompidos de nosso pequeno e único momento de intimidade platônica, pelo seu noivo:

_Lu é melhor largar seu amigo, já estou ficando com ciúmes!

Sorrio sem graça e relutante me afasto de seu abraço, sei que é a ultima vez que sentirei seu corpo junto ao meu, aproveitei o maximo que pude, admito constrangido, mas fazer o que ?... eu não tinha trazido mesmo presente, e nem tinha sido oficialmente convidado

Porque hoje...hoje foi o dia do seu casamento, e pra mim só resta uma longa e solitária vida de solteiro convicto.Adeus Luciana, meu primeiro e único amor que trago na lembrança, foi muito bom ter te conhecido”.

 

 

FIM

 

EPÍLOGO (ou cena que vem depois dos créditos finais, se preferir):

 

Chego em casa tarde da noite, inexplicavelmente aliviado após perambular pelas ruas solitárias de meu bairro. Tenho a minha frente uma penosa noite de sono; não sei por que não consigo me lembrar de nenhum de meus sonhos, mas sinto que isso é algo bom que me protege de antigas e profundas dores emocionais. Sinto que os últimos dois anos de minha vida foram fabricados, uma ilusão que finalmente chegou ao fim.

_Tenho é que aprender a viver no mundo real!_ declaro em voz alta pra mim mesmo já dentro de meu quarto.

E nesse momento um fragmento de uma frase vem a minha mente não sei de onde:

eu quero te beijar e te amar por todos os dias da minha vida”, dita em uma voz doce e melodiosa que eu conhecia de outra vida, e tive um flash rápido de memória onde uma garota com o rosto parcialmente coberto com um véu de esquecimento, estava atrás de um portão de grades e com uma expressão triste nos olhos dava um leve toque em minhas mãos. Sabe aquela sensação de Deja vu; porém ignorei e pensei:deve ser a memória de algum de meus sonhos esquecidos.

_ A vida continua..._ conclui já sonolento deitado em minha cama.

_E esta história também!_ declarou em voz baixa alguém que me observava pelo lado de fora de minha janela. Um certo cara misterioso, mais ou menos de minha estatura e corpo, com cara de soldado cansado de tantas batalhas porém com um certo brilho de esperança no olhar.